Marinha aponta três culpados por acidente que matou 19 pessoas em Mar Grande

O resultado do inquérito que apura as causas do naufrágio da lancha Cavalo Marinho I foi divulgado nesta terça-feira (23), pela Marinha, na véspera do dia em que se completam cinco meses da tragédia que matou 19 pessoas. Foram considerados responsáveis o engenheiro técnico e o dono da empresa, por negligência, além do comandante da embarcação, por imprudência. Além disso, foi indicado que a embarcação não tinha condições de navegabilidade e que havia lastros (pesos) soltos no convés.

Vídeo produzido pela Marinha reproduz como aconteceu acidente:

https://www.youtube.com/watch?v=ptLrdNi2Vmo

“A embaração não cumpria os critérios de estabilidade exigidos por lei. A embarcação possuía lastros não autorizados e colocados de forma indevida que acabaram se soltando. Faltava fixá-los no local correto. Conseguimos calcular que os pesos desses lastros chegam a até 400 kg. Eles são colocados com a intenção de aumentar a manobrabilidade da embarcação, ou seja, a capacidade dela de atender às guinadas do condutor”, explica o capitão de mar e guerra Leonardo Andrade Reis, capitão dos portos da Bahia.

Ele detalhou os resultados do laudo junto do vice-almirante Almir Garnier Santos, comandante do 2º Distrito Naval, na sede do 2º Distrito Naval, no Comércio.

“O proprietário é o responsável pela embarcação. Ninguém melhor do que o proprietário e os condutores para evitar um acidente. Para se instalar os pesos e os lastros existe todo um procedimento. É preciso que se contrate um engenheiro responsável técnico para que acompanhe e apresente à Marinha essas alterações pedindo uma licença de alteração e isso não foi cumprido. Esses fatores foram determinantes para que o acidente ocorresse”, afirma Reis.

Vice-almirante e capitão de mar e guerra detalham investigações 
Foto: Thais Borges/CORREIO

Agora, a Marinha encaminha o relatório para o Tribunal Marítimo Militar, que compete julgar os acidentes da navegação. “Diante desse julgamento, podemos apontar algumas penalidades previstas na lei 2.180 do tribunal marítimo. É prevista a repreensão com medidas educativas, a suspensão do marítimo, a interdição de determinada função; cancelamento da matrícula; proibição ou suspensão do tráfego, multa, cancelamento de registro”, explica Reis.

“É fundamental para a Marinha que esse assunto seja entendido da melhor forma possível. É um assunto muito técnico e, portanto, optamos por essa coletiva, a fim de que se dirimisse a maior parte das dúvidas, já que são procedimentos extensos, muitos depoimentos laudos técnicos, simulações de computador e acredito que dessa forma a gente vai ter uma produtividade maior”, explicou Garnier.

Acidente 
A lancha Cavalo Marinho I afundou no dia 24 de agosto do ano passado, cerca de 10 minutos após deixar o Terminal Marítimo de Mar Grande, que fica no município de Vera Cruz, localizado na Ilha de Itaparica. A embarcação tinha como destino Salvador e levava 120 pessoas, sendo 116 passageiros e quatro tripulantes, que sobreviveram. Após o acidente, a embarcação ficou destruída. Ao todo, 19 pessoas morreram – dessas, eram 13 mulheres, três homens e três crianças.

O inquérito tem quase 1,2 mil páginas e foi divido em seis etapas – modelagem do casco; conferência dos dados hidrostáticos; aplicação das correções (arranjo geral); simulação do adernamento; submissão aos critérios de estabilidade e análise dos resultados da prova de inclinação e estudo de estabilidade definitivo.

O trabalho foi iniciado um dia após o acidente, em 25 de agosto. Nos dias 25, 26 e 28 de agosto foram realizadas as perícias com apoio técnico da Diretoria de Portos e Costas, da Marinha.

“Na sala de comando da embarcação foram visualizadas alguns pesos que não eram apresentados nos documentos técnicos e de instruções.  Foram encontrados dois motores na praça de máquinas. Foram esses pesos de lastro abaixo da praça de máquinas que se soltaram durante o acidente e que ficaram de fácil visualização nas perícias mas que também não estavam documentados pelo engenheiro técnico responsável”, explica o capitão Reis, afirmando que foi necessário que os peritos reproduzissem uma cópia exata do casco.

Clima
Três aspectos climáticos relevantes atuaram na embarcação no dia e horário do acidente, segundo a Marinha. “Tivemos uma força de maré vazante, de cerca de meio metro no ventos sul e ondas de cerca de um metro no sentido sudeste. A embarcação tinha a intenção de realizar essa travessia e teve essa força de maré atuando e também ventos Sul e ainda as ondas de cerca de um metro. Esses vetores atuaram diretamente na embarcação no horário do acidente. O comandante deveria ter adotado postura mais defensiva já que não era uma calmaria e tinha condições mais adversas de tempo”, explica o capitão.

O presidente da Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), responsável pela gestão da travessia, Jacinto Chagas, afirmou que mantém a versão prestada após o acidente, de que não houve aviso de mau tempo. “Naquele momento não tinha alerta de tempo ruim. Não tenho o que acrescentar”, afirmou. Chagas ainda afirmou que não tinha conhecimento do relatório e que, por isso, não comentaria mais sobre o inquérito da Marinha.

O trabalho da Marinha teve a participação de peritos civis e militares lotados no Rio de Janeiro e Bahia além de engenheiros e militares lotados Marinha mercante. Foram mais de 50 interrogatórios, acareações e  análises. De acordo com o laudo, a primeira chamada para pedir socorro aconteceu às 7h45.

“Em mais de cinco décadas, esse foi o primeiro acidente com vítimas fatais que se tem notícia, numa linha que chega a transportar mais de 3 mil pessoas por dia. Ou seja, a travessia Salvador-Mar Grande não é insegura como tentou se desenhar nos dias seguintes após a tragédia”, disse o vice-almirante Almir Garnier Santos, comandante do 2º Distrito Naval.

Entre as penas possíveis pelo resultado do laudo estão a possibilidade de multas e até de suspensão da habilitação de navegação da empresa CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I e de outras embarcações que fazem a travessia, entre Salvador e a localidade Mar Grande.

A partir do momento que o inquérito for remetido ao Tribunal Marítimo, o processo passa fazer parte da pauta do órgão. Não há prazo para conclusão.

“No dia não havia aviso de mau tempo e isso foi constatado por todas as informações recebidas. Havia condições adversas mas não havia aviso de mau tempo com ondas significativas acima de um valor que pudesse realmente afetar a segurança da navegação. Não houve erro de informações meteorológicas”, defendeu o capitão Leonardo Reis, sobre a ausência de alerta da Marinha no dia da tragédia.

Inicialmente, o prazo para a elaboração do laudo do acidente era de 90 dias – ou seja, chegou ao fim no dia 24 de novembro. No entanto, a Marinha pediu extensão.

Adolescente desaparecida 
Além dos 19 mortos, uma família registrou queixa alegando que uma adolescente teria embarcado na Cavalo Marinho I. Ela nunca foi encontrada.

“Realizamos buscas por essa adolescente por 15 dias naquela faixa da Baía de Todos os Santos mas não conseguimos encontrá-la. Não ficou bem claro se ela realmente embarcou nessa lancha e não nos compete efetivamente porque não tem nenhuma ligação com a segurança da navegação que é nossa atribuição. Até então, não temos a confirmação dessa suposta vítima. Isso foi suspenso, não foi encerrado. Estamos aguardando que eventualmente novos fatos apareçam e então retomaríamos as buscas”, explica Garnier.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que as buscas pelo corpo da adolescente foi encerrado. “Por fim ressalta que a versão apresentada por uma mulher, sobre um suposto desaparecimento de uma adolescente, não foi confirmada, já que a denunciante nunca retornou à unidade policial com documentos da vítima. Diante dessa inconsistência e falta de garantia de que realmente existiria uma pessoa desaparecida, as buscas foram encerradas”, disse a secretaria em nota.

Investigação da Polícia Civil
A conclusão do inquérito da Polícia Civil depende do resultado da investigação da Marinha, de acordo com o delegado Ricardo Amorim, titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz). Na semana passada, ele afirmou ao CORREIO que o inquérito civil estava “praticamente pronto”. Ao todo, 135 pessoas foram ouvidas.

“Solicitamos exames de lesão corporal das vítimas, necropsias dos 19 mortos, informação de institutos de meteorologia e pedi laudos de particulares. São laudos de um especialista do Espírito Santo que fez uma análise da situação e do tamanho do barco”, afirmou, na ocasião.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito policial, de responsabilidade da 24ª Delegacia (Vera Cruz), já havia realizado toda a parte de coleta de depoimentos e que apenas estava faltando o laudo da Marinha. “De posse deste documento, o delegado, sem prazo definido, analisará o conteúdo, se preciso, convocará novos depoimentos, e dará prosseguimento para conclusão do inquérito”, informou a pasta.

 

 

*Correio



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