A síndrome rara que pode matar crianças enquanto dormem

A síndrome de Ondine cancela as reações automáticas do corpo, o que faz com que muitos pacientes não consigam respirar durante o sono (Foto:  José Bru)
A síndrome de Ondine cancela as reações automáticas do corpo, o que faz com que muitos pacientes não consigam respirar durante o sono (Foto: José Bru)

 

Os mexicanos Alek Pedraza e Lucía Bru passam o dia brincando e rindo, como qualquer criança. Mas à noite tudo muda: os dois sofrem de uma doença rara que pode matá-los enquanto dormem.

Na síndrome de Ondine (ou CCHS, sigla em inglês para Congenital Central Hypoventilation Syndrome, ou Síndrome da Hipoventilação Central Congênita, em tradução livre), a mutação de um gene provoca danos na parte do cérebro responsável pelas reações automáticas do corpo.

Uma das consequências mais comuns disso é que a respiração fica prejudicada – na fase de sono profundo, a pessoa pode simplesmente parar de respirar e morrer.

Por isso, Alex e Lucía precisam ser ligados a equipamentos que os ajudam a respirar, enviando oxigênio diretamente para a traqueia.

Há poucos estudos sobre a doença, que ainda não tem cura. Em todo o mundo, há cerca de apenas 1,2 mil pessoas que conseguiram sobreviver a ela nos primeiros meses de vida.

Em 40 anos, apenas algumas centenas de casos foram analisados, conta José Bru, pai de Lucía. “Por ser uma doença rara, o interesse de um governo ou de um laboratório farmacológico para desenvolver uma cura é pouco”, critica.

No Brasil, não há registro do número de pessoas com a síndrome de Ondine, segundo oMinistério da Saúde.

Quando surgem casos, afirma a pasta, é adotada a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que organiza desde 2014 a rede de atendimento para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação.

“Atualmente, o ministério dispõe de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para 36 doenças raras. Para as doenças que ainda não contam com protocolos próprios, como a síndrome de Ondine, a assistência e o cuidado às pessoas seguem as diretrizes estabelecidas pela Política”, informou a assessoria do ministério.

É comum que a doença seja confundida globalmente com a síndrome da morte súbita infantil – falecimento repentino de bebês durante o sono. Isso levaria a uma subnotificação, já que não são realizados exames genéticos para descobrir a verdadeira causa do óbito.

O maior perigo para as pessoas que sofrem da síndrome de Ondine, como Alek, é a falta de oxigênio nos órgãos e tecidos (Foto:  Nadia Ortíz)
O maior perigo para as pessoas que sofrem da síndrome de Ondine, como Alek, é a falta de oxigênio nos órgãos e tecidos (Foto: Nadia Ortíz)

‘Chip desligado’
O nome da síndrome vem de uma lenda antiga.

Nela, uma ninfa chamada Ondine condena seu marido a morrer assim que pegar no sono como punição por tê-la traído.

Na vida real, a alteração genética causada pela doença faz com que o cérebro suspenda ações automáticas que governam os órgãos do corpo, como o ritmo cardíaco ou o funcionamento dos intestinos.

Um exemplo: os pulmões de Alek não conseguem fazer a troca do dióxido de carbono pelo oxigênio, explica à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, a mãe do menino, Nadia Ortiz.

“Ele entra em sono profundo imediatamente, quase depois de fechar os olhos. E então o cérebro não manda o sinal para que ele continue respirando normalmente, que faça a troca de oxigênio. É como se esse chip estivesse desligado.”

“Alek respira enquanto está dormindo, mas não consegue fazer essa troca. Se não tiver ajuda de um respirador conectado à sua traqueia, pode correr riscos.”

O maior perigo para o menino é que o dióxido de carbono se acumule no sangue e leve a um quadro de hipóxia – ou seja, de falta de oxigênio nos órgãos e tecidos, o que pode provocar uma parada cardiorrespiratória.

O problema de Lucía é parecido, mas seu cérebro também dá ordens para uma produção maior de insulina, problema que pode ser permanente.

Traqueostomia
As crianças tiveram de se submeter a traqueostomias ainda bebês para receber os tubos de plástico que são conectados às máquinas de respiração.

A traqueostomia também ajuda na oxigenação dos pulmões, além de auxiliar para extrair muco em casos de urgência.

O tubo inserido no pescoço é permanente e, apesar de ajudar a respiração, também traz problemas.

“É uma ferida aberta, o risco de infecções é muito alto”, diz Nadia Ortíz. “Uma gripe ou uma tosse são muito perigosas para Alek. Não há intermediários entre a traqueostomia e os pulmões. Nós respiramos pelo nariz, o que nos ajuda a filtrar todos os bichos.”

José Bru conta que isso demanda uma higiene muito cuidadosa.

“Minha filha, por exemplo, usa um nariz artificial, que funciona como um filtro. Mas qualquer gripe pode virar uma pneumonia.”

Alto custo
A doença também exige muito dos pais, que precisam fazer uma vigília para monitorar os níveis de dióxido de carbono e o ritmo cardíaco dos filhos.

Para divulgar o problema e arrecadar recursos para pesquisa, José Bru e sua mulher criaram uma instituição no México, a Fundação Síndrome de Ondine MX.

Já Nadia Ortíz e o marido, Vladimir Pedraza, fizeram uma “vaquinha” na internet, na qual arrecadaram US$ 250 mil (cerca de R$ 814 mil).

O dinheiro será usado em uma cirurgia para implantar um marcapasso no diafragma de Alef, o que permitiria que ele dormisse e respirasse sem ajuda externa. O procedimento é realizado em um hospital de Los Angeles, nos Estados Unidos.

Mas além do atual momento difícil, os pais se preocupam também com o futuro das crianças.

“Vai chegar um momento em que vai perguntar ‘porque eu tenho traqueostomia e você não?'”, afirma a mãe do garoto.

“Quando ela completar 15 anos, vou ter de contar que terá pausas cardíacas. Que vai precisar de um marcapasso”, diz o pai de Lucía.

(G1)



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