Com Rapunzel rastafári e fadas do acarajé, baiana lança livro inspirado em contos de fadas clássicos com personagens negros

Rapunzel rastafári, fadas do acarajé, príncipe jamaicano, Chapeuzinho Vermelho protegida por um orixá são alguns dos personagens do primeiro livro da escritora baiana Maria Izabel Nascimento Muller. Intitulada de “Os Contos de Fadas na Realidade Afro-baiana”, a obra foi inspirada em clássicos da literatura infantil e tem personagens negros ou que vivem em cenários da Bahia, como o Pelourinho e Chapada Diamantina.

O livro é também definido pela escritora como muvulcultura, uma forma de incentivar as crianças negras, criando uma identificação com os personagens, antes pertencente ao mundo tido como dos brancos.

Após quase 30 anos de escrita, a publicação será lançada no dia 7 de julho, na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, em Salvador, e tem ainda os santos Cosme, Damião e Do’ou, representando os três porquinhos, os irmão João e Maria cantando e dançando ao som do Olodum e da Timbalada. O livro tem também um trecho dedicado ao tema “histórias de baianidade”, no qual a escritora cria histórias divertidas, como o diário de um tênis, as aventuras de um personagem no carnaval da Bahia e a miscigenação dos anjos.

Em entrevista ao G1, Maria Izabel revelou que a ideia de escrever a publicação surgiu há muitos anos, quando ainda era professora da rede pública de ensino da Bahia e viu a necessidade da sensação de pertecimento em seus alunos negros. Maria Izabel trabalhou em escolas de Salvador por 33 anos. Episódios de racismo que marcaram a vida dela também foram determinantes para essa iniciativa. Hoje, aos 68 anos, ela se divide entre Brasil e Suíça, terra natal do marido dela.

“Começou nos idos de 1982, quando passei por uma situação de racismo em uma pós [graduação]. Quando eu comecei a ensinar estudos africanos passei a ter uma nova visão. Descobri que minhas alunas eram fascinadas pelos contos de fadas. Negras, pobres, que não tinham a realidade dos contos de fadas. Depois de estudos, eu fui observando e olhando os livros de contos de fada. Vi que aqui vivemos numa realidade de 80% de negros e [esses contos] não condizem com nossa realidade, mas não sou contra”, afirmou.

A escritora, que também ilustrou o livro, conta que começou a escrever a obra em 1988, ainda com muita insegurança em falar sobre negritude no Brasil. “Era muito difícil”, disse.

Sem perspectivas de publicação, Maria Izabel guardou os escritos do livro, mas compartilhou o trabalho com alguns colegas de escola. “Só foi publicado agora por falta de oportunidades. Me cobraram muito caro na época e para financiar pelos órgãos públicos eu precisava participar de editais”, disse.

Após pouco mais de dez anos, o trabalho de Maria Izabel foi divulgado em alguns jornais de Salvador e em uma edição especial da Revista TV Escola, do Ministério da Educação, mas ainda sem perspectivas de publicação.

“O trabalho ‘fugiu’ das minhas mãos e foi parar nos jornais e revistas. Em 2000, o Ministério da Educação estava buscando por trabalhos inéditos e me procurou. Veio uma delegação do MEC e fui escolhida para representar o povo negro quando o Brasil completou 500 anos”, afirmou.

Trabalho de Maria Izabel foi divulgado na Revista TV Escola, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)

A escritora afirma que ainda hoje considera que existe um racismo velado no Brasil, mas que o país já avançou muito em relação a isso. Quando teve a ideia do livro, conta Izabel, o tema mal era debatido. “O racismo colonialista se alimenta até hoje. Mas isso tem melhorado muito. Pelo menos, a gente ja tem a coragem de dizer, não tem mais medo. Minha intenção [no livro] não foi fazer uma separação, mas pegar metáfora e escrever numa realidade mais próxima. A literatura é volátil, usei a metáfora da inclusão e não da exclusão. Existem vários caminhos para a gente se incluir”, disse.

O projeto de publicar o livro foi retomado recentemente, em maio 2017. “Minha intenção é, através da venda do livro, dar oportunidade a alguém que está necessitando, fazer um trabalho social, porque ele está agregado à minha carreira, à minha realidade. É uma contribuição, não é uma vaidade minha. Eu vim de uma realidade muito humilde e, gracas a Deus, a meus pais, e muita outras pessoas, tive a oportunidade de estar realizando esse sonho”, revelou.

Izabel conta que investiu cerca de R$ 8 mil para publicar 200 exemplares da obra. Cada livro será vendido por R$ 30. Como a escritora não tem vínculo com nenhuma distribuidora, a publicação pode ser adquirida no dia do lançamento. Quem tiver interesse também pode fazer contato com a escritora pelos telefones 71 98806-4872 ou 71 3230-1219.

*G1



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