Feirante, pai distante de Paulinho vê a Copa em pequena TV chuviscada

Quando o volante Paulinho esticou a perna e encobriu o goleiro Stojkovic para abrir o placar contra a Sérvia, na Rússia, o feirante José Paulo Bezerra Maciel, 64, em Pesqueira, no interior de Pernambuco, também se espichou todo.

Estava deitado numa cama velha, encostada no canto da garagem da casa simples. Com o barulho do gol e o grito do narrador, tentou enxergar na imagem cheia de chuvisco da pequena televisão antiga de tubo o que o filho havia acabado de aprontar na Copa.

Afastou os dois gatos que tiravam um cochilo com ele e chegou mais perto. Mudou a posição da antena algumas vezes. Conseguiu pegar o replay.

Viu ainda, com um pouco melhor de definição, o biquinho da chuteira tocar a bola que abriu caminho para garantir ao Brasil o primeiro lugar do Grupo E do Mundial.

“Eu estava deitado ali com os gatos na caminha velha quando Paulinho fez o gol. Aí eu acordei. Olhe o tamanho da televisão. Ela liga às vezes. Não tenho outra. Quando escutei o barulho, me levantei.”

O que sentiu na hora José Paulo não explica. Emudeceu. Chorou por uns 30 segundos ao tentar responder o que significou aquele gol, feito por um filho que não tem uma relação próxima. “É complicado. Mas ele estando bem, eu estou bem.”

Por questões familiares, a vida tratou de separá-los.

Pesqueira é uma cidade de 65 mil habitantes, encravada na serra do Ororubá, onde vivem 10 mil índios da tribo Xucuru, espalhados em 25 aldeias. “Os meus antepassados são indígenas. Meu bisavô era índio mesmo”, diz José Paulo.

Nem precisava falar. O traço indígena é evidente. “Ele [o bisavô] era da tribo, mas eu não entendo muito dessas coisas. Vivi 40 anos em São Paulo.”

O dono da camisa 15 da seleção é a cara do pai. É também a cara da formação étnica brasileira, como se o rosto de Paulinho ajudasse a explicar um monte de coisa.

Filho de nordestino, migrante e pobre. Um pai distante que cresceu em São Paulo limpando o chão de uma fábrica de sandálias, voltou a Pernambuco em 1996, perdeu o contato com o filho e desaba no choro ao tentar explicar o sentimento do gol.

Há um país inteiro na história de vida de Paulinho.

O jogador, em entrevista à revista espanhola Panenka, falou de sua origem xucuru.

“Minha avó era descendente de indígenas. Tenho alguns traços dos índios. Meu pai também tem. Parece muito com um índio. Ele é de Pernambuco, mas eu só tive contato com ele até os oito anos de idade. Quem me criou foi o meu padrasto, Marcos, a quem eu também chamo de pai.

José Paulo tem lembrança do menino “bem franzino, da grossura de um dedo” que trocava alguns passes tortos com ele e o filho mais velho, Erik, num quintal apertado da Vila Maria, em São Paulo.

“Acompanho Paulinho pelo noticiário desde o Bragantino. Ele deve muito a Rivelino, que foi quem disse lá atrás que ele jogava bola.”

O feirante, que hoje vive com um salário mínimo da aposentadoria e complementa a renda ajudando a esposa a revender roupas na feira de Pesqueira, só reencontrou o filho em 2012.

Paulinho já era volante do Corinthians. Os dois se falaram rapidamente pelo alambrado do estádio dos Aflitos. Cercado por jornalistas e fotógrafos, o jogador mandou um “eu te amo” e desceu para os vestiários.

O pai olhou em silêncio. No fim do jogo, recebeu a camisa do filho. Não tem mais.

“Eu fui levado ao jogo por uma pessoa aqui de Pesqueira, mas nem sabia que Paulinho iria jogar. Fiquei na torcida do Náutico. Não sabia que iria encontrar meu filho ali.”

Daquele dia até hoje, se falaram só uma vez por telefone.

Discreto, pouca gente na cidade sabe que aquele senhor com cara de índio é o pai de Paulinho do Brasil. Na casa de dois quartos e um banheiro do lado de fora, há três fotos em que o filho famoso aparece.

Uma foto oficial da seleção, uma montagem com algumas imagens do título mundial do Corinthians e outra em que aparece ao lado do irmão mais velho e dos filhos.

“Sei que Paulinho tem três filhos. Nunca conheci meus netos. Queria conhecê-los. São meus netos, não é?” Seu José Paulo ainda tem uma filha, Paula, de 32 anos. “Também não tenho contato. Parece que é advogada. O mais velho, faz uns quatro anos, passou oito dias aqui na minha casa. Ele viu como estou. Mas eu não preciso de nada.”

Palmeirense, diz que não liga muito para futebol e não quis responder se torceu para o Corinthians na final do mundial de clubes contra o Chelsea em 2012.

Disse que, pelo que viu, que foi muito pouco, o filho está jogando muito bem. José Paulo não acompanhou o jogo de estreia do Brasil contra a Suíça. Estava na feira de Arcoverde, sertão de Pernambuco, ajudando a esposa Silene Maria Maciel. “Depois daquele golzinho, parece que ele está mais acreditado. Eu torço deitado, dormindo, para que ele aconteça. Ele acontecendo para mim está ótimo.”

Diante das lembranças doloridas da vida, orgulha-se de ter colocado no mundo, quem sabe, um hexacampeão.

“Se não fosse eu, Paulinho não existia.”

Fonte: Folha



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