Traficantes cobram até R$ 1 mil por segurança de comércios no Nordeste de Amaralina

Mais viaturas nas ruas e policiais militares fortemente armados próximos a pontos estratégicos dos bairros que compõem a região do Nordeste de Amaralina. Mas nada disso impediu mais um assassinato. Na manhã desta segunda-feira (9), moradores encontraram o corpo de Demilson Maciel Menezes, 48 anos, caído sobre a grama, no final de linha do Vale das Pedrinhas, com vários tiros no rosto. Mesmo com policiamento reforçado, criminosos continuam a agir na região e ainda cobram pela ‘segurança’ dos moradores.

Donos de estabelecimentos do Nordeste de Amaralina, Vale das Pedrinhas, Santa Cruz e Chapada do Rio Vermelho denunciam uma nova regra imposta pelos integrantes da facção Comando da Paz (CP), que domina o tráfico de drogas na região: há quase dois meses, donos de açougues, academias, restaurantes, supermercados e barraquinhas de rua estão sendo obrigados a pagar até R$ 1.000 por mês ao tráfico.

A informação foi confirmada nesta segunda-feira (9)  por uma fonte ligada à investigação dos casos na 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina). De acordo com a fonte, nas últimas semanas, a delegacia tem recebido até três denúncias anônimas por dia.

“Eles sobem e falam assim: ‘É o seguinte: o dono [da boca] mandou a gente cobrar a grana da segurança, mas pode ficar tranquilo que está seguro’. São eles aqui perto e a polícia ali, então, a presença da polícia traz a falsa sensação de segurança”, relatou um comerciante, umas das vítimas de extorsão de traficantes.

A prática criminosa nos moldes do que é feito no Rio de Janeiro foi implantada pelo traficante Leonardo Rufino Pereira, mais conhecido como ‘Mohammed’, morto durante confronto com a polícia na última quinta-feira (5), na Chapada do Rio Vermelho. Ele é conhecido pelos policiais como Carioca. “Ele é baiano, mas foi para o Rio fazer um intercâmbio do crime e voltou tentando implementar esse sistema”, afirmou a fonte ao CORREIO.

Ainda segundo informações policiais, Leonardo era quem comandava as extorsões. Já o traficante Ítalo Alves de Jesus Pereira, 21 anos, conhecido como Rato, morto na sexta-feira (6) em confronto com a PM, fazia a cobrança no comércio. “A gente já recebeu várias denúncias de Leonardo. Inclusive, ele mandava Rato fazer as cobranças. São mais de dez pessoas fazendo essas cobranças, tem até menor de idade”, completou.

Tamanho
As ‘taxas’ cobradas se baseiam no tamanho do estabelecimento. Por exemplo, uma barraquinha de frutas poderia pagar R$ 100 por mês, enquanto um mercado teria a obrigação de pagar mais.

Ainda segundo um comerciante, que optou por não se identificar, quem tem “juízo” paga pelo serviço. “Se eu pago? Claro. No meu caso, eles cobram R$ 50. Vou pagar pelo segundo mês, paciência. O que acontece é que nos tornamos reféns desse esquema do crime, que é bastante organizado”, completa ele.

De outros cinco comerciantes do Nordeste de Amaralina e Vale das Pedrinhas abordados pelo CORREIO, dois afirmaram que pagam dinheiro aos traficantes. “Geralmente, sobem três, mas só um entra, sem chamar a atenção. Ele fala: ‘pega [o dinheiro]’ e sai. A gente paga porque não é maluco”, diz.

Medo
Embora tenha confirmado a informação, o terceiro comerciante que afirmou pagar pela “segurança” ao tráfico não quis comentar a dinâmica da cobrança. “Por menos que isso, tem gente aleijado aqui no bairro”, diz.
Em caso de recusa no pagamento, a facção aterroriza: “Passam atirando na porta do estabelecimento ou na casa do comerciante, pois a maioria mora aqui”, diz a fonte.

Por meio da assessoria de comunicação, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que atua incessantemente no combate aos traficantes que promovem esse tipo de ação.

Uma moradora, que se identificou apenas como Dalva, disse que a presença da polícia pouco intimida os traficantes. “Eu não sei quem acredita nessa balela. Os caras [traficantes] quando querem cobrar, eles chegam e cobram. Tá vendo isso aí, eles se intimidaram?”, indagou ela, em referência à morte de Demilson.

Ônibus não entram no Nordeste de Amaralina, Santa Cruz e Vale das Pedrinhas desde o fim de semana
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Sem ônibus e sem aulas
Desde que três ônibus foram incendiados no final de semana – dois no Vale das Pedrinhas e um em Amaralina, após a morte de Ítalo Alves de Jesus Pereira, 21 anos, conhecido como Rato – os ônibus pararam de circular na região. Moradores do Vale das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina e Santa Cruz precisam andar cerca de um quilômetro dos pontos provisórios até os bairros.

Apesar do policiamento reforçado, os ônibus não voltaram a circular. Segundo o diretor de Comunicação do Sindicato dos Rodoviários, Daniel Mota, motoristas se preparavam para retornar à normalidade nos três finais de linha, quando se depararam com o corpo de Demilson Menezes, assassinado nesta segunda-feira (9). “O que nos deixou perplexos foi termos nos deparado com um cadáver cravado de balas hoje cedo. Iríamos normalizar o serviço. Mas, como medida preventiva, decidimos por não retornar”, explicou.

Ainda de acordo com Mota, nos últimos quatro meses, cinco ônibus foram queimados em circunstâncias similares na capital. “Os moradores têm que compreender que andar um quilômetro é menos grave do que perder a vida. Desde 2014, são 58 coletivos incendiados, além de um rodoviário queimado. Foram 17 [ônibus] em 2017. E são cinco em 2018”, salientou Daniel. Os ônibus devem voltar a circular nos bairros nesta terça-feira (10).

Oito escolas da rede municipal no Vale das Pedrinhas ficaram sem aula nesta segunda (9). Uma nona escola teve funcionamento normal somente pela manhã. As aulas devem voltar nesta terça-feira (10). Já a Secretaria Estadual de Educação (SEC) disse que as escolas estaduais funcionaram normalmente.

Três viaturas da Rondesp permaneciam paradas, nesta segunda (9), próximo à 28ª Delegacia, por volta das 9h30. Assim como no Vale das Pedrinhas, o comércio ficou parcialmente aberto.

Já na Santa Cruz, duas viaturas da Patamo circulavam pela rua principal do bairro durante a manhã. O comércio também abriu, mas alguns moradores comentaram sobre a sensação de insegurança.

Morador do local há 40 anos, o carpinteiro Eduardo Bispo disse que se sente mais seguro com  a presença da polícia. “O problema é quando tem troca de tiros, quando os meninos [traficantes] sobem. Mas os meninos respeitam a gente”, diz ele, acrescentando que o maior problema é a presença das drogas.

*Correio



Veja mais notícias no blogdovalente.com.br e siga o Blog no Google Notícia