Tradição secular leva mulheres às ruas de Saubara para reviver luta das heroínas

A Independência do Brasil na Bahia, há 195 anos, foi marcada por diversas batalhas históricas que tiveram influência e participação direta de mulheres.

Se Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica são alguns rostos conhecidos e emblemáticos, mulheres da cidade de Saubara, no recôncavo baiano, levam a representatividade do protagonismo feminino nas lutas em faces escondidas por lençóis brancos.

O desfile das Caretas de Mingau é uma manifestação folclórica secular, passada de mães para filhas, como uma forma de manter viva a estratégia usada pelas saubarenses no século XIX, segundo explica a historidora, pesquisadora e integrante da tradição, Vanessa Pereira.

“Lá em 1823, na ocasião da independência, elas empreenderam uma estratégia de guerra. A ação delas ajudou a Bahia a ganhar a luta contra os portugueses na cidade de Saubara”

Para ajudar filhos, irmãos e maridos que foram lutar em uma trincheira nas proximidades da cidade, a fim de impedir a invasão de portugueses, as mulheres se vestiam como “almas penadas”. As mulheres se vestiam de branco, usavam lençóis e chapéus para cobrir as cabeças.

Mulheres se caracterizavam com roupas e lençóis brancos, além de chapéus nas cabeças (Foto: João Pereira/Divulgação)

Mulheres se caracterizavam com roupas e lençóis brancos, além de chapéus nas cabeças (Foto: João Pereira/Divulgação)

“Naquele tempo, a cidade era um território pesqueiro, que não tinha luz, as casas eram distantes uma das outras, as pessoas viviam em situação precária. Então, elas usaram a vestimenta como uma estratégia para assustar os soldados, já que, naquela época, o que permeava na mentalidade deles eram as assombrações”, explica a historiadora.

A ideia da caracterização era amedrontar se passando por figuras assustadoras. Elas gritavam e chacoalhavam coisas que faziam barulho. Dessa forma, elas andavam pelas ruas aos gritos, e levavam comida e armamento para os homens que lutavam contra os colonizadores.

“Elas levavam tudo dentro das panelas. O mingau, por ter preparo fácil e também pela ligação com as comidas dos terreiros afro-brasileiros, era o principal alimento que elas levavam. Além disso, há registros comprovados em cartas do próprio general Labatut, que essas mulheres também utilizavam armas”, contextualiza Vanessa.

Tradição cultural

O cortejo é sempre na noite de véspera do 2 de Julho. Os preparativos começam ainda na manhã do dia 1º, com a escolha, compra e preparação dos materiais que vão virar mingau. Todos os anos, três sabores são feitos: milho, tapioca e carimã.

Depois do mingau pronto, as mulheres saem nas ruas vestidas de “caretas” durante a madrugada do dia 2, e distribuem a iguaria para a população. Há mais de 20 anos, a “careta” Guiomar Freitas, 42, começou a participar da manifestação ao ver a mãe sair pelas ruas.

“Minha mãe participava da brincadeira e eu comecei a pegar gosto quando era criança. De início, quando ela saía, eu ficava com medo. Via aquelas mulheres de branco gritando, achava que era alma. À medida que fui crescendo, fui vendo que não era assustador e quis fazer parte também”, conta Guiomar.



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