Polícia conclui que havia um 3º homem no carro usado na execução de Marielle e Anderson

O RJ2 teve acesso com exclusividade ao inquérito que apura as execuções da ex-vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Oito meses depois, a polícia acumula milhares de páginas, mas ainda tem poucas conclusões. Uma delas é de que um terceiro homem estava no carro usado pelos bandidos – antes, acreditava-se que eram dois criminosos.

Uma das principais dificuldades dos investigadores é que câmeras da prefeitura no local do crime não estavam funcionando. Mas novas imagens de uma câmera que registrou o carro de frente, antes de chegar ao local do crime, revelam um homem ao lado do motorista, no banco do carona. As imagens já conhecidas mostravam um outro homem no banco de trás.

Polícia concluiu que havia um terceiro homem no carro usado na execução de Marielle e Anderson — Foto: Reprodução/TV Globo

Polícia concluiu que havia um terceiro homem no carro usado na execução de Marielle e Anderson — Foto: Reprodução/TV Globo

Apesar da película escura nos vidros, com um programa de computador, os analistas identificaram a presença de uma pessoa no banco do carona.

Enquanto o Cobalt usado pelos bandidos está parado na Lapa, dá para ver, no interior do carro, uma luz intensa no painel, que reflete na janela do motorista. Mas o que se acreditava ser um celular, segundo o inquérito era o reflexo de uma luz.

A investigação da Divisão de Homicídios conclui que o carro de onde partiram os disparos foi preparado para o crime.

O Cobalt usado pelos bandidos era um carro clonado. A polícia fez uma análise e descobriu várias diferenças em relação às características do modelo original. Como, por exemplo, as maçanetas pretas, pouco comuns nesse modelo, e o formato da janela diferente de outros carros.

Trajeto

Uma cópia da agenda da Marielle, do dia 14 de março, está entre as páginas do inquérito. O último compromisso previsto era às 18h: a roda de conversa na Casa das Pretas, na Rua dos Inválidos, na Lapa, Centro do Rio.

O inquérito mostra a rota percorrida pelo carro da vereadora desde a saída da Câmara Municipal, com a passagem pela Casa das Pretas, até o local do crime.

Ela sai às 18h40, em direção à Rua dos Inválidos. O carro usado pelos assassinos já está lá. Na chegada à Casa das Pretas, o carro onde estão Marielle, sua assessora e o motorista Anderson passa ao lado dos bandidos. Eles aguardam a saída da vereadora por cerca de duas horas.

Uma imagem no documento mostra que os bandidos seguem o carro de Marielle quando ele passa na Rua do Senado. Os disparos são feitos na Rua João Paulo Primeiro. O carro dos assassinos segue em fuga pela Rua Joaquim Palhares.

A dinâmica dos disparos descrita no inquérito mostra as trajetórias das balas, que chegaram até Marielle e Anderson. Quatro tiros atingiram a vereadora, todos na cabeça.

Inquérito mostra que Marielle foi atingida com quatro tiros na cabeça — Foto: Reprodução/TV Globo

Inquérito mostra que Marielle foi atingida com quatro tiros na cabeça — Foto: Reprodução/TV Globo

Munição colombiana

O documento revela que uma munição usada para matar Marielle foi fabricada fora do Brasil. Entre as munições calibre 9 milímetros encontradas no local do crime, oito são brasileiras e uma é colombiana.

Testemunhas

Até agora, a investigação não conseguiu uma pessoa que tenha presenciado o crime. A Divisão de Homicídios ouviu duas testemunhas, mas nenhuma diz ter visto o atirador.

Uma delas é um homem que trabalhava perto do local do crime e prestou depoimento horas depois do assassinato. Ele contou que escutou alguns estampidos – que não se pareciam com tiros. Por isso, achou que os assassinos teriam usado um silenciador. O homem disse que não viu o carro dos assassinos.

A outra testemunha é uma mulher que atravessava a rua com os três filhos – e prestou depoimento um mês depois do crime. Ela contou que ouviu os tiros, mas não viu quem atirou.

Apenas percebeu que os disparos estavam um pouco abafados.

Esta mulher disse no seu depoimento que ouviu de um morador de rua uma descrição sobre um dos homens que estavam no carro de onde partiram os disparos: ele seria, segundo o depoimento, “bem pretinho”, e vestia uma camisa do Flamengo. Ele não soube dizer se esta descrição era do motorista ou do atirador. A polícia não encontrou este morador de rua.

Linhas de investigação

Nesse inquérito, ao qual o RJ2 teve acesso, a principal linha de investigação envolve o vereador Marcelo Siciliano e o ex-PM Orlando Curicica.

A Delegacia de Homicídios ainda trata o vereador do PHS como principal suspeito de ter encomendado o crime. Ele sempre negou qualquer envolvimento.

O fio condutor dessa linha de investigação são duas testemunhas que procuraram a delegacia – segundo os investigadores, espontaneamente – para dar suas versões.

Primeiro, um policial militar que trabalhava para o miliciano Orlando Oliveira Araújo, o Orlando de Curirica. O policial contou sobre um encontro que teve com Orlando, no começo do ano passado. O miliciano teria dito que uma vereadora de nome Marielle tinha mandado um recado a ele, por meio da associação de moradores da Cidade de Deus.

O recado era pra que a milícia parasse de “esculachar” os moradores da comunidade”. A testemunha disse que ouviu de Orlando toda a sua insatisfação e ódio com o recado.

Assessores e pessoas próximas da vereadora afirmam que ela não tinha uma atuação forte na Cidade de Deus. Ela cresceu na comunidade da Maré.

A testemunha relatou, ainda, um encontro entre Orlando e Siciliano num restaurante, na Zona Oeste do Rio, entre maio e junho do ano passado. Segundo ele, siciliano teria batido ”com uma das mãos na mesa e gritado que Marielle e o deputado Marcelo Freixo tinham passado dos limites. E que eles ‘precisavam resolver isso’”.

A outra testemunha é um morador da Zona Oeste do Rio, ligada ao PM que acusa Siciliano e Orlando. Esse homem disse que viu Orlando pedir o telefone de um matador de aluguel pra que ele resolvesse um problema do Siciliano. O depoimento não esclarece que problema era esse.

Orlando, que está preso numa penitenciária federal acusado de outros crimes, denunciou ao Ministério Público Federal que foi pressionado a confessar participação na morte de Marielle.

Outras testemunhas desconhecem que houvesse alguma rivalidade entre a vereadora e Siciliano.

‘Escritório do Crime’

Essa não é a única linha de investigação sobre a morte de Marielle. Políticos do MDB já foram ouvidos pela Delegacia de Homicídios. A polícia também investiga um grupo de matadores de aluguel, formado por policiais militares, ex-policiais e milicianos. Eles fariam parte do grupo conhecido como Escritório do Crime.

Entre eles estaria um major, que já prestou depoimento. Segundo os investigadores, ele esteve na região do crime seis dias antes, mas, no depoimento, negou. No dia seguinte aos assassinatos, ele viajou pro Nordeste.

Anistia pede força-tarefa independente

Na manhã desta quarta-feira, oito meses depois do crime, a Anistia Internacional divulgou um relatório sobre o caso e cobrou respostas para os assassinatos.

A Anistia fez um levantamento de tudo o que já foi divulgado sobre o crime pelos investigadores e pela imprensa e concluiu que há pelo menos 16 perguntas básicas que permanecem sem resposta.

“A impressão que eu tenho é que nós estamos enxugando gelo. Oito meses passaram, nós fazemos as mesmas perguntas, e não temos nenhuma resposta”, declarou o pai de Marielle, Antônio Francisco da Silva.

A entidade crítica abertamente as autoridades envolvidas nas investigações do crime e defende a criação de uma força-tarefa independente composta por peritos, juristas e especialistas em investigação criminal que acompanhe o caso de perto daqui pra frente.

Anistia Internacional pede investigação independente no caso Marielle e Anderson

Anistia Internacional pede investigação independente no caso Marielle e Anderson

“Se eles não responderem à altura este episódio de violência tão emblemático, isso abre a porta pra uma espiral de violência contra outras lideranças, contra outros defensores de direitos humanos e contra outros parlamentares”, disse Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia.

A mãe de Marielle, Marinete Silva, acredita que vai haver justiça. “Nós vamos continuar com esperança, né? O trabalho tá sendo feito, tem que continuar confiando, esse apoio que a gente tem recebido é fundamental. Tanto aqui, quanto lá fora. Então, se faz necessário que continue acreditando e confiando nesse trabalho que tá sendo feito. “

Antônio e Marinete, pais de Marielle Franco, cobram solução do caso — Foto: Henrique Coelho / G1Antônio e Marinete, pais de Marielle Franco, cobram solução do caso — Foto: Henrique Coelho / G1

Antônio e Marinete, pais de Marielle Franco, cobram solução do caso — Foto: Henrique Coelho / G1

Fonte:G1



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