Rio: presos que denunciaram tortura em quartel só fizeram corpo de delito sete meses após agressões

 

 

Presos que denunciaram uma sessão de tortura dentro de um quartel do Exército na Zona Oeste do Rio só foram levados para fazer exames de corpo de delito sete meses após as agressões. Os 10 homens foram detidos no Complexo da Penha em 20 de agosto do ano passado, durante a intervenção federal. Dois dias depois, denunciaram à Justiça terem sido vítimas de espancamento numa ‘‘sala vermelha’’ da 1ª Divisão de Exército. Somente no último dia 21 de março, todos os denunciantes foram examinados no Instituto Médico Legal (IML).

O EXTRA teve acesso, com exclusividade, aos exames de corpo de delito de dois dos presos: Ricardo da Conceição Glória e Marcos Vinícius do Nascimento. A conclusão de ambas as perícias foi a mesma: por conta do tempo decorrido, não é possível concluir que as lesões foram causadas por agressões sofridas pelos presos. Os exames somente foram feitos por determinação da juíza Simone Ferraz, da 23ª Vara Criminal do Rio, durante audiência no último dia 5 de fevereiro.

‘‘Considerando o lapso temporal entre o presente exame e o evento alegado e a ausência de registro hospitalar, o perito não possui elementos tecnicamente hábeis que permitam estabelecer concretamente o nexo temporal e causal entre as cicatrizes encontradas e descritas no exame e o evento violento alegado’’, escreveu o perito Marcelo Luiz da Silva Prates no laudo de Marcos Vinicius do Nascimento.

Fotos feitas por defensores públicos durante a audiência de custódia, em agosto do ano passado, mostram três manchas pretas em formato de círculo na perna do preso. Todos os dez homens detidos na ocasião foram fotografados e apresentavam lesões. As imagens estão anexadas ao processo judicial a que respondem por porte ilegal de arma e associação para o tráfico.

Na ocasião, Marcos Vinicius relatou à juíza Amanda Azevedo Ribeiro Alves que foi atingido por três tiros de balas de borracha à queima-roupa e foi agredido com socos no rosto e nas costas. Em nova audiência na Justiça no dia 5 de fevereiro, o preso detalhou a sessão de tortura: disse que levou socos e golpes com taco de madeira em interrogatório na sala vermelha e afirmou ter sido alvejado por tiros de balas de borracha à queima-roupa ainda na favela.

Análise superficial deu pista de lesões na época

– Fizemos três prisões em Ribeirão Preto e três em Curitiba até o momento. Cinco foram em função da operação e uma por conta de um mandado de prisão em aberto – informou Ricardo Sá, chefe de investigação da 19ª Delegacia Policial (Tijuca).

Todos os outros presos também denunciaram as agressões à Justiça. No dia da audiência de custódia, em 22 de agosto, eles fizeram exame de integridade física, avaliação superficial feita em presos que denunciam agressão no momento da prisão. O exame é feito por um médico e não vale como prova pericial.

Contudo, na ocasião, o documento atestou: “há vestígios de lesão à integridade corporal ou à saúde da pessoa examinada com possíveis nexos causal e temporal ao evento alegado” em todos os presos. Apesar de a Justiça ter determinado, em fevereiro, que os dez presos fossem submetidos a exames de corpo de delito, um ainda não foi levado ao IML.

— Ele foi o que mais sofreu agressões. As marcas estão até hoje. Não entendo por que ele foi o único que não foi levado — questiona a técnica de enfermagem Anilda Rangel, de 42 anos, mãe de Jefferson Luiz Rangel Marconi.

A defesa de Jefferson já notificou a Justiça sobre o descumprimento da decisão judicial. Todos os homens seguem presos no Complexo de Gericinó. A sessão de tortura é investigada pelo Ministério Público Militar (MPM). O Ministério Público Federal (MPF) também instaurou um inquérito civil. Se a tortura for comprovada, os militares podem perder seus cargos.



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