STF nega pedido para julgar caso de explosão que matou 64 pessoas em SAJ em 1998

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou recurso para levar à Corte o caso da explosão de uma fábrica clandestina de fogos de artifício que provocou a morte de 64 pessoas, no município de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano.

A Corte negou um agravo interposto pela defesa de Osvaldo Prazeres Bastos, dono da fazenda onde ficava o estabelecimento, e suas filhas Helenice Fróes Bastos Lyrio e Adriana Fróes Bastos, que questionaram uma decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que não permitiu Recurso Extraordinário ao processo, ou seja, que a questão fosse decidida no STF.

Os três foram condenados pela explosão do estabelecimento, ocorrida em 11 de dezembro de 1998. No júri popular, realizado em outubro de 2010, quase 12 anos após a tragédia, Helenice e Adriana pegaram pena de dez anos e seis meses. Já Osvaldo recebeu pena menor, de nove anos, por ter na época mais de 70 anos. Além deles, outros dois filhos dele, Mário Fróes Prazeres Bastos e Ana Cláudia Almeida Reis Bastos, foram condenados. Três réus foram absolvidos: Berenice Prazeres Bastos da Silva, também da família, e os ex-funcionários Elísio de Santana Brito e Raimundo da Conceição Alves.

O julgamento que negou o recurso dos condenados ocorreu no dia 25 de outubro deste ano, virtualmente. A decisão da Primeira Turma, composta por cinco ministros, foi unânime.

A tramitação do caso no STF é uma extensão da guerra judicial que envolveu o processo durante quase 12 anos, desde sua instauração, em 1999, até a condenação por júri popular na primeira instância da Justiça em 2010. De 2014 para cá, a defesa entrou no Supremo com uma série de recursos, o que tem deixado a solução final para o imbróglio ainda mais distante, em um caso no qual celeridade não foi a principal característica.

Em agosto do ano passado, a ministra Rosa Weber, em decisão monocrática, negou agravo interposto à Suprema Corte. A defesa dos condenados alegou que o julgamento violou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa porque não foi produzida uma prova considerada essencial pelos advogados. Para a magistrada, a alegada ofensa é “eminentemente infraconstitucional”, ou seja, não está incluída na Constituição. Por isso, não caberia análise do caso via Recurso Extraordinário.

Ainda segundo a ministra, para concluir que não houve cerceamento da defesa, o Tribunal de Justiça da Bahia, que analisou recurso da defesa contra o júri popular, verificou todo o acervo de provas do processo. Para examinar se houve prejuízo à defesa, como alegado pelos advogados, o STF precisaria verificar todo o conteúdo probatório novamente, o que não é, pela jurisprudência da Corte, possível em casos de Recurso Extraordinário. “O recurso extraordinário não se presta para o reexame de fatos e provas da causa”, diz a súmula 279, do Supremo. Foi contra essa decisão que a defesa entrou com mais três recursos, ainda em setembro de 2017, sendo derrotada em todos no julgamento encerrado no último dia 25 de outubro.

O CASO
A explosão aconteceu na manhã do dia 11 de dezembro de 1998, no galpão da fábrica clandestina, que ficava nos fundos de uma das fazendas de Osvaldo Bastos. No local, havia mais de 1.500 kg de fogos. Entre os 64 mortos, estavam duas crianças. Cinco pessoas sobreviveram à explosão com ferimentos graves.

No julgamento dos réus, testemunhas de acusação falaram sobre a precariedade das condições de trabalho no local e como a explosão era uma tragédia anunciada. De acordo com várias delas, crianças trabalhavam irregularmente no local. O relato foi negado por Mário Fróes, que disse na época ser o responsável pela fábrica. Segundo ele, cerca de 17 dias antes do acidente, militares fiscalizaram a fábrica e elogiaram a estrutura e organização do local.

A versão foi rebatida por uma das sobreviventes, que trabalhou na fábrica dos Bastos dos 12 aos 18 anos. “Quando ia fiscalização, eles mandavam a gente correr”, contou na ocasião. Os familiares também afirmaram que todos os barracões tinham um extintor e instruções de segurança, algo também negado por ex-funcionários, que afirmaram que sequer havia um medidor de temperatura no local.

Segundo a ONG Justiça Global, quase todas as vítimas eram meninas entre 9 e 14 anos e mulheres idosas com idades entre 79 e 91 anos. Ainda segundo a Organização, à época, eram pagos, a cada trabalhador, cerca R$ 0,50 pela produção de mil traques.

BRASIL RÉU NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
O Brasil virou réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos em outubro deste ano, por causa do acidente. A justificativa é de que, passados 20 anos da tragédia, ninguém ainda foi responsabilizado. O país chegou a assumir a responsabilidade pelo caso junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) e também o compromisso de reparar moral e materialmente as vítimas, mas não cumpriu o acordo. A denúncia foi feita à OEA pela ONG Justiça Global, pelo Movimento 11 de Dezembro e pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 

Para Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global, “a responsabilização do Estado brasileiro pela Corte Interamericana garantirá aos impactados pela explosão a reparação pelos 20 anos de sofrimento e descaso. Também será importante para impedir que outras violações similares se repitam”. De acordo com ela, eram de conhecimento público as más condições do local.

Segundo Raphaela Lopes, advogada da ONG, a instituição está com prazo aberto para apresentar a primeira manifestação na Corte. A perspectiva é de que o julgamento na entidade internacional aconteça dentro de três anos. Caso seja condenado, o Brasil pode ser obrigado a adotar uma série de medidas reparatórias e para evitar que tragédias como essa aconteçam novamente.

“Apesar da explosão da fábrica completar esse ano 20 anos, a gente sabe que a produção clandestina de fogos de artifício no interior da Bahia continua. Então uma medida seria controlar de forma mais efetiva a produção de fogos de artifício. Outras seriam o pagamento de indenização financeira às famílias, um pedido de desculpas do país, formas de o Estado se redimir perante essas famílias e adotar políticas públicas que impeçam que desastres como esses voltem a acontecer”, explicou a advogada, em entrevista ao Bahia Notícias.

Raphaela disse ainda que algumas questões deixam a conduta do Brasil em relação ao caso ainda mais grave. Por exemplo, o “tempo enorme” do Estado para dar resposta às vítimas – a explosão vai completar 20 anos sem responsabilização dos entes federais (município, estado e União) e pessoas físicas, como os donos da fábrica -, a falta de apuração efetiva para responsabilizar os agentes públicos que deixaram de fiscalizar a situação do estabelecimento e o não pagamento de indenização às famílias.

A advogada também destacou a importância para as famílias, depois de “20 anos muitos duros”, de o caso ter sido levado à Corte Interamericana. “Quando a gente falou com o pessoal do movimento, familiares das vítimas, foi motivo de grande celebração. A perspectiva de responsabilização internacional do Estado deu esperança para as famílias de poderem ser reparadas um dia, perspectiva de que a Justiça realmente seja feita e seja dada a resposta que as famílias merecem. Foi uma violação muito grave dos seus direitos”, destacou.

Procurado pelo Bahia Notícias, um dos advogados dos três condenados, Maurício Vasconcelos, afirmou que não iria se pronunciar sobre o assunto. 

Fonte: Bahia Notícias



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