Quando a vida das mulheres negras começar a ganhar importância, o mundo será transformado – Por Érico Brás

Duas semanas passaram-se da morte da deputada Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes no Rio de Janeiro. A rotina do dia a dia e o silêncio da polícia em relação ao caso vão empurrando a notícia da primeira página para pequenas notas no interior dos jornais. Outros crimes covardes contra jovens pretos da periferia são notícia passageira e pouco a pouco naturalizamos a barbárie. Como sempre.

A investigação e a penalização dos culpados pela morte de Marielle é muito importante para a democracia no Brasil – uma democracia questionável frente ao tratamento dispensado aos homens e mulheres negros do país. Quase 80% dos jovens mortos nas periferias brasileiras são de cor negra, em idade produtiva, de 14 a 29 anos. E, na maioria das vezes, os crimes são arquivados, sem responsabilizar os culpados por esse verdadeiro genocídio.

Desde sempre as comunidades periféricas das cidades brasileiras são vítimas da opressão imposta pelo braço armado do Estado. Em combate com o crime organizado, a polícia vem ceifando a vida de cidadãos e cidadãs sem nenhum envolvimento com o crime. O processo de fabricação da violência é a execução de um plano de extermínio material e simbólico da população negra do país. Marielle morreu porque defendia os pobres, pretos e favelados, os mesmos que entram no estereótipo de quando se define quem é bandido no país.

Apenas 130 anos nos separam do fim da abolição da escravatura no Brasil. Os negros e mulatos de hoje são tataranetos de uma geração de escravos que de uma hora para outra ganhou a “liberdade” sem qualquer apoio do governo ou projeto de reintegração à sociedade. Para sobreviver, ex-escravos submeteram-se às mais vis ocupações. O Brasil deve uma reparação a esse contingente da população que, não por acaso, é o mais excluído da sociedade. A herança dos negros é a pobreza, o preconceito e a falta de escolaridade. A omissão do Estado é responsável pela falta de negros e negras nos palanques políticos, no alto escalão das empresas, nas faculdades e, até mesmo, nos espaços públicos.

Mas a morte de Marielle, ao invés de cortar a esperança dos negros que desejam ter uma representatividade política plenamente comprometida com essa causa, levanta um verdadeiro vendaval. Em discurso emocionado na frente da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro, a jovem negra Adaiane Silva, falou à multidão: “Marielle dizia o tempo todo: Avante, pretas! Quando a vida das mulheres negras começar a ganhar importância, o mundo será transformado”. Adaiane participara do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas” com Marielle, na noite anterior, minutos antes do covarde assassinato.

A morte de Marielle desperta mais negros e negras para a luta acirrada da dita democracia racial no país, ocupando os espaços de poder e legitimando a luta diária dos excluídos e abandonados pela pátria. Avante, pretos!

Érico Brás é ator e conselheiro do Fundo de População das Nações Unidas, agência da ONU líder em temas de demografia, juventude e saúde sexual e reprodutiva. Nascido em Salvador, iniciou aos 8 anos de idade sua relação com o teatro. Engajado em temas de juventude e raça, participa no canal no Youtube da web série “Tá Bom pra você?” (criada pela mulher, Kênia Maria, e a filha, Gabriela Dias), que trata da questão racial com humor inteligente, graça e leveza. Com participação em séries e programas de TV, Érico Brás busca estimular o debate e a reflexão sobre diversidade.



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