Setembro amarelo: estudo sobre suicídio mostra que o tema ainda é tabu nas redes sociais

O suicídio ainda é grande tabu em pleno século 21. De acordo com o Centro de Valorização da Vida (CVV), a partir de dados do Mapa da Violência, 32 pessoas se suicidam por dia no Brasil, ou uma a cada 45 minutos, o que faz do país o oitavo com mais suicídios do planeta. São quase 800 mil vítimas por ano. “Para cada caso, são pelo menos outras 20 tentativas. Ou seja, quase 20 milhões de pessoas podem não conseguir se matar, mas tentam. Não é de espantar que, mesmo que a mídia não fale sobre isso, e há muito temor na abordagem do problema, ele está sendo discutido pelas pessoas na internet, especialmente nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp”, explica Bia Pereira, coordenadora do estudo sobre monitoramento de suicídio nas redes sociais, realizado pelo projeto Comunica Que Muda, da agência nova/sb, especializada em Comunicação de Interesse Público.

O que de principal o estudo apresenta?
O tema suicídio é completamente tabu e tratado perifericamente nas redes. Constatamos isso no levantamento que resultou no nosso dossiê. Sem um debate sério, informativo, as pessoas falam do suicídio, mas de maneira superficial, banalizada. Nós avaliamos 1.230.197 menções entre os meses de abril e maio de 2017 nas principais redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e YouTube). A maior parte delas (52,8%) eram neutras, ou seja, sem um posicionamento claro na postagem. As menções positivas, quando a pessoa demonstrou uma conscientização sobre o tema, somaram 28,8%. Já as negativas, que são mensagens preconceituosas, que reforçam o estigma, incentivam o suicídio ou demonstram falta de conscientização, ficaram com 18,4% do total – ou seja, quase 20% das pessoas que tratam do assunto suicídio o reforçam de forma negativa. Isso inclui piadas e chacotas. Foi por isso também que decidimos levar o tema suicídio para as redes sociais e o blog do Comunica que Muda, a iniciativa  pioneira de comunicação de interesse público da nova/sb, há mais de 10 anos no ar.

Com os suicídios poderiam ser evitados?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 90% dos suicídios podem ser prevenidos. O CVV e outras iniciativas de apoio têm feito um trabalho magnífico. Mas é preciso encarar a questão dos problemas relacionados à dor, sofrimento, solidão e doenças como ansiedade e depressão fora da caixa do preconceito. A saúde mental precisa ser encarada sem os estigmas que se cristalizaram na sociedade. As pessoas precisam não ter vergonha de pedir ajuda, buscar tratamento, fazer terapia. Quando a gente fica gripado ou sente dor física, toma medicamentos. Por que tomar um remédio para uma doença mental é vergonha? E é aí que entra a comunicação de interesse público: ao esclarecer, informar e trazer à tona o tema, a gente ajuda no trabalho de prevenção e a diminuir o preconceito.
Ouvindo diversos especialistas, a nova/sb descobriu que, no Brasil, separando-se por faixas etárias, os idosos apresentam as maiores taxas, com oito suicídios para cada 100 mil habitantes. A causa mais comum, com aproximadamente 70% dos suicídios nessa fase, é a depressão, muitas vezes não diagnosticada ou tratada inadequadamente. Psicoses e abusos de drogas, principalmente o álcool, também estão entre os motivos mais frequentes.
Entretanto, é entre os jovens que as taxas apresentaram o maior crescimento, de 2002 a 2012, o que preocupa bastante.

O que precisa ser feito para reduzir o número de suicídios no Brasil?
Claro que o tratamento e a prevenção é algo que precisa ser abordado por especialistas, do ponto de vista terapêutico. Mas a comunicação pode, sim, colaborar com a saúde como uma ferramenta. É inegável o seu poder de modificar comportamentos. Foi o que aconteceu com a Aids e o cigarro. As campanhas de prevenção à saúde, o debate na mídia, as reportagens, foram fundamentais para difundir o uso da camisinha, evitar o fumo em locais fechados, entre outras conquistas que inicialmente pareciam inalcançáveis.

Segundo o estudo, por que as pessoas ainda se mantém neutra com relação ao assunto: (52,8%)?
Isso ocorre muito por falta de informação. Muitas vezes, as menções são muito superficiais e sem a conscientização necessária que o tema requer. Além disso, apesar da gravidade da questão, não é um tema que se tenha muitas informações o tempo todo para alimentar discussões de alto nível. Ao contrário, com o debate empurrado para debaixo do tapete, aumenta-se o preconceito. Um exemplo foi o que aconteceu quando o suposto jogo virtual, na verdade um crime virtual, o Baleia Azul, foi tema de conversas nas redes. As vítimas eram ironizadas, desqualificadas. E, infelizmente, isso acontece quando se fala de outros temas relacionados como a depressão.

Você acredita que a série “13 reasons why” ajudou ou prejudicou na divulgação do tema?
Sem dúvida a série ajudou na divulgação do tema, já que gerou um número alto de menções sobre suicídio, além de outros temas importantes, como bullying e machismo. Por exemplo, quando isolamos apenas as menções relacionadas à série, temos 60,9% de comentários positivos, 26,2% neutros, e 12,9% negativos. Isso mostra como o debate sobre a série levou a uma maior conscientização nas redes. Embora os especialistas tenham criticado a cena do suicídio e que durante a série parecia não haver outra saída.

O fato da baleia azul ter sido buscada no google, inibiu possíveis suicídios?
É difícil afirmar isso. Mas o mais importante é que ninguém é culpado por um suicídio. O suicídio tem sido tabu por um longo tempo e as taxas continuam crescendo. Não falar não está ajudando. Não tratar um problema não faz com que ele desapareça. Ao contrário, apenas permite que cresça no escuro. Por isso, precisamos derrubar esse tabu. Precisamos, sim, falar abertamente sobre o suicídio.

*revista marie claire



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