Com atraso de mais de um ano, TJ-BA aprova resolução para depoimento especial de crianças

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) teve um ano para editar uma resolução para se adequar à Lei 13.431/2017, mas somente o fez quatro meses após o fim do período legal para adaptação. A norma, aprovada em abril de 2017, entrou em vigor em abril deste ano. O texto estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e adolescente vítima ou testemunha de violência. A resolução para adequação somente foi aprovada no último dia 22 de agosto. O adiamento ocorreu diante de pedidos de vista e a demora na votação aconteceu em decorrência da redução do número de sessões plenárias realizadas pelo Tribunal para apenas duas por mês, sendo uma judicante e uma administrativa.

 

O texto aprovado determina que as varas especializadas dos crimes praticados contra criança e adolescente realizem a oitiva das vítimas de violência, nos termos da nova lei, por meio do depoimento especial. Nas comarcas em que não houver vara especializada dos crimes praticados contra criança e adolescente, os casos serão julgados nas varas criminais comuns. Os depoimentos serão realizados em local apropriado, e cada comarca deverá ter pelo menos um sala destinada para o depoimento especial, com ambiente lúdico e devidamente equipada com a aparelhagem que permita a gravação audiovisual. O depoimento especial, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado, principalmente em caso de violência sexual, não se admitindo nova oitiva, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima e de seu representante legal.

 

A técnica a ser utilizada será de entrevista investigativa, com o fim de reduzir danos psicológicos das vítimas ou testemunhas. O depoimento especial será realizado com o auxílio de um servidor do quadro efetivo do Tribunal de Justiça, seja técnico ou analista, com aptidão para o exercício da atividade, desde que devidamente capacitado, o qual passará a atuar como facilitador, sem prejuízo de suas funções. A capacitação do facilitador, como também do magistrado, deverá ser promovida, periodicamente, pelo Tribunal de Justiça. Os relatos sobre os fatos deverão ocorrer de forma livre, espontânea e sem delimitação de tempo, respeitando as condições específicas da criança/adolescente, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando-se de técnicas que possibilitem a elucidação dos fatos. O entrevistador, por iniciativa própria, ou a pedido do juiz, interromperá o depoente com o devido cuidado de não induzir o relato da criança ou do adolescente. Caso o Magistrado verifique que a presença do autor da violência, na sala de audiência, possa prejudicar o depoimento especial ou colocar a criança ou adolescente em situação de risco, poderá, fazendo constar em termo, determinar o afastamento do imputado. O depoimento especial tramitará em segredo de justiça. A declaração colhida será gravada em sistema eletrônico, por meio audiovisual e registrada em mídia eletrônica.

 

DISCUSSÃO

O texto foi colocado em votação pouco antes do fim do período do “vacatio legis”, quando foi relatado pela desembargadora Soraya Moradillo. Na ocasião, a desembargadora manifestou preocupação com o texto que prevê que as escutas especiais, também conhecidas como “depoimento sem danos”, pudessem ser realizadas por servidores capacitados e não por psicólogos. A preocupação é para evitar que as crianças e adolescentes sejam revitimizados ao prestarem depoimentos sobre as violências vividas ou presenciadas. Votos-vistas adiaram a votação para agosto. No dia 22, a desembargadora Nágila Britto liberou seu voto vista e manifestou outra preocupação. A lei sugere que os casos de violência contra criança e adolescentes sejam julgados nas Varas da Justiça Pela Paz em Casa – também conhecidas como Varas de Violência Doméstica e Contra a Mulher. Para a desembargadora, que coordena a área da Mulher no TJ-BA, a lei, conforme sugere, pode trazer problemas e morosidade nos julgamentos de processos contra a violência doméstica. Ela lembra que apenas três comarcas têm salas especializadas para os depoimentos das vítimas com maior segurança. As unidades estão instaladas em Vitória da Conquista, Juazeiro e Camaçari. Dessa forma, os juízes criminais de varas comuns continuarão julgando os processos. O receio da magistrada era que, dada a preferência constitucional para as crianças e adolescentes, medidas protetivas a mulheres violentadas fossem prejudicadas. Ela fez um levantamento das varas especializadas e constatou que há poucas unidades contra a violência doméstica no país e que tal medida “não atenderia o desiderato”. Além do mais, disse que a Lei de Organização Judiciária (LOJ) da Bahia não prevê essa competência adicional para as varas de violência doméstica.

 

A desembargadora já sinalizou que desde que a lei entrou em vigor, os juízes das varas de violência doméstica já têm suscitado conflito de competência, pois ações desta natureza já têm sido redistribuídas para as unidades. Outra preocupação de Nágila é com a falta de equipes multidisciplinares para fazer o atendimento qualificado. O presidente do TJ-BA, desembargador Gesivaldo Britto, na sessão, afirmou que já foi firmado um convênio com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e com o Conselho Federal de Psicologia para dar suporte às Cortes nas escutas especiais.

 

A desembargadora Rita de Cassia, que também foi juíza da Infância, lembrou que enquanto atuava na unidade deu início a um estudo para implantar em Salvador os chamados “depoimentos sem danos”. Lembrou que espaços foram criados no Fórum Criminal de Sussuarana e lamentou que eles não funcionem mais, por falta de equipamentos e pessoal qualificado. Defendeu a criação de varas especializadas para crianças e adolescentes e que, quando não houver, os feitos sejam julgados pelas varas criminais comuns. Sua maior preocupação também girou em torno da falta de capacitação dos servidores responsáveis por conduzir a entrevista com as vítimas. A desembargadora destacou que a ONG Childhood Brasil fez uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para mapear os tribunais de Justiça que realizam depoimento especial. A ONG também promove cursos à distância para servidores e magistrados. Salientou que as crianças têm “direito de serem ouvidas nos processos que estão envolvidas” e que, muitas vezes, o depoimento delas “é a única prova do processo”. Para Rita de Cássia, não há problemas na utilização de facilitadores na condução dos depoimentos, contanto que sejam supervisionados. Ela também criticou o fato do TJ-BA demorar mais de um ano para discutir a implantação da lei.

 

O desembargador Salomão Resedá, que por 16 anos atuou na Vara da Infância em Salvador, destacou que a criança e o adolescente são prioridade absoluta, prevista na Constituição Federal e que a prioridade no atendimento à mulher é por lei ordinária. Contou que já há equipes multidisciplinares regionais, no Distrito Federal, para atuar de forma itinerante e que essa alternativa pode atender a necessidade de diversas comarcas da Bahia, por não ter servidores com essas competências. Ele fez um apelo aos demais colegas para aprovar a resolução para evitar a revitimização, pois juízes, na condução das oitivas, agem de forma técnica, com perguntas técnicas para uma criança entender. Salientou o apoio que o tribunal receberá do Conselho Federal de Psicologia e que, a partir da aprovação da resolução, a Escola dos Magistrados da Bahia (Emab) vai criar uma sala de experiência para juízes para evitar a revitimização institucional.  “Neste momento crianças estão sendo vítimas da violência institucional cometida por nós. Não fomos preparados para tanto. Precisamos apenas fazer uma preparação de quem poderá ouvir um relato. Não é um depoimento, é um relato. A criança vai ter apenas uma ambiência onde ela possa dizer o que aconteceu. Ela não é interrogada no sentido técnico que empregamos nas nossas atividades”. Ainda questiona se esse juiz criminal “vai ter condições de interrogar uma criança nessas condições”. O texto foi aprovado com os adendos da desembargadora dos votos divergentes.

fonte:BN



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