Após 16 tremores desde domingo, pesquisadores sugerem ‘enxame sísmico’ na Bahia

Após o terceiro dia consecutivo de tremores no interior da Bahia, pesquisadores da Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) suspeitam que possa se tratar de um enxame sísmico. Pois é, o fenômeno acontece quando um tremor de magnitude maior – como o que ocorreu no domingo (30), de 4,6 na escala Richter – desencadeia evento menores, como os que foram sentidos na madrugada de segunda (31) e terça-feira (01) na região de Amargosa.

É o que explica o sismólogo e geofísico Juraci Carvalho, que já participou de treinamentos em sismologia no Japão, Estados Unidos e Áustria e integra o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (Obsis/UnB). Carvalho ainda disse que a falha geológica que se encontra no Recôncavo Baiano – que é uma das 42 que existem no Brasil, que está sobre a placa tectônica Sul-Americana – está em período de acomodação, o que gera esses novos terremotos diários.

“Sempre que ocorre um tremor de magnitude pequena para média, geralmente você tem um período de acomodação, em que a falha [geológica] começa a ser submetida por um esforço, se rompe, e pequenos pedaços continuam se rompendo até você ter uma acomodação total da falha. Pode acontecer esse ciclo por muito tempo, semanas, meses e anos. Esses eventos que têm mais ou menos a mesma magnitude podem ser um enxame sísmico, mas estamos ainda nos estudos preliminares, catalogando”, esclarece o pesquisador.

Nesse período de três dias, 16 sismos foram registrados pelo Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LabSis/UFRN). Há ainda um décimo sétimo tremor que foi notado em São Miguel das Matas no sábado, às 11h58, de magnitude 1,8. Três foram detectados na manhã desta terça: dois em Amargosa, de magnitude 1.8 e 1.96, às 3h32 e 10h25, respectivamente, e em Santo Antônio de Jesus, de 2.24, às 6h37.

Para confirmar essa teoria do enxame sísmico e tentar explicar o porquê desses tremores terem reaparecido agora, o Labsis, em parceira com a RSBR, vai instalar nove novas estações na Bahia. Hoje, só existem três no estado: em Itapé, Baixa Grande e Ponto Novo. A mais próxima fica a 200 km da região de Amargosa, o que só permite detectar tremores a partir de 1,8 de magnitude. Com os novos equipamentos, os pesquisadores pretendem captar com mais precisão os eventos sísmicos, como sua magnitude e epicentro (local de origem do terremoto), além de descobrir se tremores menores estão em curso.

Contudo, a probabilidade é que os tremores continuem nos próximos dias. “Pode ser que eles continuem diminuindo a magnitude, como também pode ter uma outra reativação da falha e acontecer um outro evento maior. Em termos de terremoto, a natureza não avisa muito o que pode surgir”, analisa o sismólogo Juraci Carvalho.

Enxames sísmicos no Nordeste

Se a teoria for confirmada, não será a primeira que enxames sísmicos acontecem no Nordeste. Os eventos mais marcantes dos últimos anos ocorreram na cidade de João Câmara, no Rio Grande do Norte, que passou a ser conhecida como Terra dos Abalos. Segundo o coordenador do LabSis, Aderson Nascimento, os sismos duraram de 1986 a 2010. O mais intenso foi de 5.1 na escala Richter, em 30 de novembro de 1986, que derrubou muitas casas, deixou cerca de 4 mil pessoas desabrigadas, e foi seguido por milhares de réplicas de intensidades menores.

O outro município atingido por esse fenômeno é o de Cascavel, no Ceará, que fica a 80 km da capital Fortaleza. Na cidade, foram dezenas de terremotos de magnitude 4.0 e o mais grave foi de 5.2, em 20 de novembro de 1980, o maior sismo do Nordeste. Os tremores são sentidos pela população até hoje. Nenhum dos dois enxames deixou feridos, mas muitas casas foram destruídas. Na escala Mercalli, que mede as consequências dos abalos, registraram-se estragos de nível VII. De 1989, quando Cascavel começou a ser monitorada, até 2008, foram 55 mil eventos sísmicos registrados pelo LabSis.

Mas não é preciso alarde ainda, pois a teoria está em estudo. “O enxame pode durar dias, às vezes meses e alguns até anos, como em Cascavel e João Câmara. É difícil dizer que um vai seguir o padrão do outro, é questão de acompanhar. Ninguém tem ainda explicação porque a falha foi reativada, estamos monitorando”, pontua o coordenador do LabSis, Aderson Nascimento.

Também não é a primeira vez que o chão treme na Bahia. Nos últimos dois anos, 145 eventos sísmicos aconteceram no território baiano, de acordo com um levantamento do LabSis que o CORREIO obteve com exclusividade. Contudo, como a maioria, antes do de domingo, foi abaixo de 2.0 de magnitude, não foram sentidos pela população.

Amargosa tem tremores pelo 3º dia seguido

São os moradores do distrito de Corta Mão, zona rural de Amargosa que fica a 19 km do centro da cidade, que mais sentiram suas casas balançarem na manhã de terça-feira. As magnitudes foram corrigidas pelo LabSis (veja novos valores no final da matéria). A professora Duceni Santos Ferreira, 36 anos, já não consegue mais dormir direito.

“A gente não consegue mais dormir, é a madrugada toda tendo esses tremores. Minha filha de dois anos pergunta toda noite: ‘mamãe, vai ter bomba, hoje?’. A bichinha tá no desespero e a gente fica com medo da casa cair. A única coisa que a gente pensa na hora é sair de casa se não vai cair tudo na cabeça. A estrutura balançou, o telhado balançou, caiu panela e minha caixinha de pregador de roupa, as paredes racharam… Eu tô com medo de ficar me casa, estou muito assustada. Estou ficando na casa de minha mãe”, relatou a professora.

Nos próximos dias, Duceni dormirá na casa da mãe, que também já tem rachaduras, mas, como a casa é mais nova, a estrutura não está tão comprometida como a dela. Seu vizinho, Fernando, que não tem celular, também deixou a casa. Ele deixou os móveis na casa de um outro vizinho e está morando temporariamente na casa da irmã.

Já Flávia Xavier, 15 anos, que também mora em Corta Mão, disse que o tremor da madrugada de terça não foi tão intenso quanto o de domingo, mas a parede do banheiro rachou. “Todo mundo saiu correndo para a rua. Minha cama balançava, as paredes também e parecia que eu estava sambando”. Segundo ela, o maior medo da população é as casas racharem mais. “A gente não sabe se fica em casa por causa do coronavírus ou se sai de casa por causa dos terremotos”, disse Xavier.

Tremores no Nordeste

A Bahia não foi o único estado do Nordeste que tremeu esses últimos dias. O LabSis registrou tremores em Sergipe, no município de Canhoba, às 8h32 da manhã de terça-feira. A magnitude na escala Richter foi de 2.7 e foi sentido também no estado de Alagoas. Oito tremores ainda foram registrados no município na segunda-feira (31), mas todos de baixa magnitude, que não passou de 1.8 na escala Richter.

São em média 100 estações no Brasil que identificam eventos sísmicos em todo o território nacional. O monitoramento é feito pela Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) e as estações são operadas por quatro instituições: pelo Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), pelo Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (Obsis/UnB), pelo Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LabSis/UFRN) e pelo Observatório Nacional (ON). A RSBR conta ainda com o apoio do Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

Estragos em Amargosa e região

Na comunidade de Feto, também na zona rural de Amargosa, a primeira família precisará ser realocada para aluguel social, segundo o prefeito Julio Pinheiro, por conta da estrutura de sua residência ter caído parcialmente. “Vamos realocar essas famílias, com aluguel social pago pela Prefeitura. A casa é identificada pelo próprio morador, na região onde ele mora. De acordo com a necessidade e vulnerabilidade da família, a Prefeitura paga o aluguel, que tem um teto máximo de 300 reais por mês”, explica Pinheiro.

No município vizinho, de São Miguel das Matas, principalmente nas comunides de Pedreiras e Boa Vista, 50 casas tiveram a estrutura comprometida com rachaduras e três tiveram perda total. O prefeito da cidade decretou na segunda-feira (31) estado de emergência por tremores de terra, para dar mais celeridade em realocar as famílias.

Terremotos registrados na Bahia de domingo (30/08) à terça (01/09), segundo o LabSis/UFRN
– 29/08/2020 (01 evento)
11:58:26  S. Miguel das Matas-BA            1.82mR

– 30/08/2020 (11 eventos)
07:44:29     Elisio Medrado-BA                 4.6mR
08:18:06    Elísio Medrado-BA                  3.9mR
08:25:20    S. Miguel das Matas-BA         2.27mR
08:48:53    Amargosa-BA                         1.88mR
08:57:09    Amargosa-BA                          2.65mR
09:08:26    S. Miguel das Matas-BA         1.96mR
09:11:48     S. Miguel das Matas-BA         1.94mR
09:21:57    S. Miguel das Matas-BA          1.83mR
10:42:30    S. Miguel das Matas-BA         1.82mR
18:09:22    Amargosa-BA                          1.86mR
18:11:47    S. Miguel das Matas-BA          1.83mR

– 31/08/2020 (02 eventos)
03:41:50    S. Miguel das Matas-BA        3.59mR
12:01:33    –

– 01/09/2020    (03 eventos)
03:32:21    Amargosa-BA                       1.8mR
06:37:11    S. Antônio de Jesus-BA       2.24mR
10:25:57    Amargosa-BA                      1.96mR

Total de sismos registrados de 29/08 a 01/09: 17 Eventos

 

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