Como chegamos ao pior momento da pandemia? Veja trajetória da covid na Bahia

 

Esse era o texto que ninguém gostaria de escrever. Era o que vínhamos alertando há um ano, em reportagens seguidas de reportagens. Ao longo desse um ano, por esforços de cientistas, autoridades de saúde e de parte da população, conseguiu-se retardar esse momento. Agora, foi impossível. Finalmente, o diagnóstico veio: é a pior fase da pandemia da covid-19 na Bahia. Mas por que agora?

O caminho até aqui envolveu fechamentos, restrições e preocupação, seguidos de reaberturas e relaxamentos. Teve cantoria nas janelas, de quem não saía de casa, e também aglomerações e festas clandestinas. Mas, desde o começo do ano, o governo estadual e a prefeitura de Salvador alertavam que os ventos estavam prestes a mudar.

Cada dia dessa última semana só pareceu reforçar esse cenário e torná-lo mais dramático. Primeiro, um toque de recolher desde o dia 19. Dois dias depois, batíamos 80% de ocupação dos leitos de UTI e o horário da restrição de circulação teve que ser ampliado. Isso pareceu não ser suficiente para assustar parte dos baianos: na terça-feira (23), último dia antes da interdição das praias em Salvador, correram imagens do Porto da Barra lotado. Entre tantos banhistas, dava para contar os que usavam máscara.

Por isso, não foi surpresa quando a Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) concluiu que o toque de recolher, sozinho, não adiantou: na última quinta-feira (25), veio o anúncio de uma lockdown parcial. Das 17h de sexta-feira (26) até as 5h de segunda (1°), todos os serviços que não forem essenciais devem permanecer fechados. Se tudo pareceu convergir para este fim de semana, é possível que o futuro próximo também dependa do resultado dele.

Mas como chegamos até aqui, se parecia estar tudo bem? Há menos de um mês, se anunciava a reabertura de cinemas e teatros, além da ampliação do horário de funcionamento dos shoppings. A chave da questão pode estar justamente aí: só parecia que as coisas estavam bem.

“A gente considera que essa crise é mais grave”, admite a subsecretária estadual da Saúde, Tereza Paim, apresentando alguns números que ajudam a dar essa dimensão. O primeiro vem dos testes: atualmente, mais de 50% das amostras que chegam ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) são positivas para covid-19. Isso nunca aconteceu, nem entre os meses de junho a agosto do ano passado, considerados antes o pico da pandemia aqui.  Só para dar uma ideia, de março a julho, 29,43% dos testes tinham resultado positivo.

A própria pasta foi diretamente afetada pelo aumento recente de casos: o secretário estadual da Saúde, Fábio Vilas Boas, foi diagnosticado com a doença na semana passada e segue internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Aliança.

Marcos temporais
A semana não podia ser mais cheia de simbologias.  Há um ano, em 24 de fevereiro de 2020, o Brasil tinha o primeiro caso confirmado de covid-19. Na Bahia, não é preciso fazer muito esforço para lembrar de outros marcos temporais do tipo: na última quinta-feira (25), completou um ano que a primeira infectada pelo coronavírus desembarcou no estado.

Embora a confirmação só viesse no dia 9 de março, foi no dia 25 de fevereiro de 2020 que a moradora de Feira de Santana chegou a Salvador, depois de uma viagem à Itália. Alguns dias depois, assistiríamos ao colapso do sistema de saúde do país europeu.

Também na quinta-feira, o Brasil registrou o maior número de mortes em um dia, desde o começo da pandemia: 1.582, de mais de 251 mil vítimas no total. Para a pesquisadora Ethel Maciel, doutora em Epidemiologia e professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), esse é o pior momento em todo o país.

Por mais que ainda não se saiba se as novas cepas levam a casos mais graves, pesquisadores de Manaus indicam que os casos por lá evoluíram mais rapidamente. No Reino Unido, já foi identificado que, a cada mil pessoas com 60 anos ou mais infectadas com a mutação, 13 morrem. Antes, esse índice era de 10.

Mesmo assim, ainda não dá para afirmar nada sobre o impacto delas no Brasil. O que se sabe é que, desde janeiro, o país bate mais de mil mortes diárias – as únicas exceções são alguns finais de semana, quando alguns estados demoram mais a fechar os balanços. “Temos autoridades repetindo os mesmos erros com variantes muito mais transmissíveis. Mesmo os estados com muitas mortes estão com tudo aberto. Fim de ano, Carnaval. Fazendo alguma coisa agora, a gente só vai ver reflexo daqui a duas, três semanas. As medidas de contenção agora são para prevenir o futuro, porque o que está acontecendo agora não tem mais jeito”, completa Ethel.

Sim, pode piorar 
O pior momento poderia ter chegado antes, como pondera o médico de família Washington Luiz Abreu, professor da Ufba e da UniFTC. No entanto, a Bahia conseguiu atrasá-lo ao máximo. “Não é um prazer estar falando isso. Mas conseguimos, num estado como o nosso, que é acolhedor, empurrar a crise um ano para frente exatamente porque tivemos as medidas sanitárias. O que estamos vivendo hoje poderíamos ter vivido seis meses atrás”.

Há quem diga que esse momento não vai passar logo. Ou, ainda, que é um prenúncio de tempos mais difíceis.

A Rede Covida foi uma das entidades que se posicionou sobre isso, ao emitir uma nota na quinta-feira em que definiu a situação como “a antessala do caos”. Formada por cerca de 200 pesquisadores e comunicólogos, sendo a maioria da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Fiocruz, a Rede Covida é um dos principais grupos de cientistas formados na pandemia.

*Correio

 



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