Inspirado no Recôncavo, filme baiano resgata afetos e aponta literatura como refúgio

 

Nascido em Salvador, mas criado na região de Conceição do Almeida e Sapeaçu, o diretor e roteirista Dan Borges buscou inspiração nas lembranças da infância para rodar seu segundo filme, “Retirante Juvenil”, que tem estreia virtual neste domingo (27), a partir das 19h, seguida de um bate-papo com a equipe e o público.

O média-metragem conta a história de Luce (Marina Torres), uma menina irrequieta que cresceu em uma fazenda junto com a irmã Dora (Camila Castro) e a mãe (Eliana Assumpção). Insatisfeita com a vida monótona do campo, além de abalada pela desestruturação da família e o abandono do pai, ela encontra refúgio e redenção nos livros apresentados pelo misterioso e sábio andarilho Alberto (Isaac Fiterman). “Ela tem um amigo no filme, que é aquele famoso velho do interior, contador de história. E ele é um cara muito viajado, conhece muito, também gosta de ler filosofia, gosta de poesia, esse tipo de coisa, então o refúgio dessa menininha é com esse senhor. Ela se isenta completamente da casa dela, que é onde tem uns problemas familiares, o pai abandonou, a mãe é meio traumatizada e chocada com o abandono, porque numa cidadezinha uma mulher que é abandonada pelo marido até hoje ainda é vista como uma largada. E aí a irmã mais velha que teve que assumir a casa e por causa desse estresse acaba descontando tudo nessa menininha”, detalha o diretor.

Apesar de usar suas experiências como base para o enredo, o artista conta que a obra não foi inspirada em sua história pessoal, em si, mas no que presenciou e nas relações que mantinha na infância. “Como eu passei a minha juventude toda indo para o interior e passando vários dias na fazenda, eu tive o convívio com muitas pessoas que são de lá, que se você for relacionar, estão como personagens do filme. Não ninguém específico, mas, por exemplo, a menininha que nasceu no interior e detesta aquela vida monótona e queria vir para a cidade, porque lá nada acontece. É basicamente a personagem principal. Mas tem outras pessoas que são do contraponto, de pensar totalmente o oposto, que acham maravilhoso aquela vida calma e jamais iriam querer morar na cidade”, contextualiza Dan Borges.

O baiano explicou ainda que o média-metragem filmado nas fazendas e vilarejos da região onde cresceu se passa em uma cidade específica, mas propositalmente não citada de forma explícita na obra. A ideia de não delimitar uma “locação muito palpável”, segundo ele, se deu para que todo o Recôncavo e o interior, de forma geral, se identificassem com a história. Essa ideia de representatividade também pautaria a estreia, que precisou ser readaptada na quarentena. “A pandemia acabou com todos os nossos planos de lançamento, nossos planos físicos. A gente já tinha três sessões fechadas nos interiores, pra começar a exibir basicamente nos interiores. Já tinha uma sessão marcada na cidade da atriz, que é Alagoinhas; na própria cidade de Conceição do Almeida, no auditório da prefeitura; Sapeaçu também, numa escola. Tudo isso foi cancelado por conta da pandemia”, conta o diretor, lembrando que começou a escrever o roteiro no início de 2019 e só em fevereiro deste ano a equipe finalizou a obra, realizada de forma totalmente independente.

Apesar da mudança inesperada de rota, Dan avalia que o lançamento virtual não tem apenas pontos negativos. “É diferente, a gente como pessoas de público, de cinema, principalmente os atores que são de teatro e têm a paixão por esse contato com plateia, é um pouco decepcionante. Tem esse lado ruim, que a gente queria estar nesse calor da festa, do lançamento, mas também tem o lado bom, que é a possibilidade de maior alcance, online”, pondera o artista, que mesmo aceitando as imposições do momento, segue otimista quanto ao futuro e diz que pretende retomar a ideia inicial de circular pela Bahia. “A gente pretende fazer uma sessão [física] de alguma forma, ainda não planejamos. Talvez, dependendo até do possível sucesso do filme durante esse período em alguns festivais e no lançamento online, pode ser que a gente consiga fazer em algum momento. Mas está dentro do plano, a gente não desistiu não. Inclusive, essas sessões que a gente já tinha marcado e foram abortadas nos interiores, nós vamos voltar com elas. A gente pretende fazer uma mini turnezinha pelo Recôncavo, porque é um filme que é a cara deles, é a representação deles ali, e acho que vai ser muito bem recebido nessas cidades”, conta.

Profissional originalmente das áreas de design, ilustração e quadrinhos, Dan Borges revelou ainda que a experiência das artes visuais segue expressa em seu trabalho no audiovisual, iniciado a partir de 2012 com videoclipes de bandas baianas. Um exemplo bem claro dessa influência é a forma pela qual ele faz a escolha dos atores para suas produções, garimpando perfis na internet. “A questão de selecionar elenco, eu tenho um ponto meio louco na minha cabeça que ajuda e dificulta. Porque quando eu crio o personagem, eu já penso exatamente na imagem dele, até a voz já está construída na minha cabeça”, revela, atribuindo o comportamento ao costume dos quadrinhos. “Então, quando eu penso nesses personagens e depois vou procurar pessoas reais para colocar no lugar deles, tem que ser uma pessoa que se encaixe com aquilo que eu imaginei, senão eu não quero (risos). E isso é terrível, porque pra achar uma pessoa bem próxima pelo menos, se não for idêntica ao que eu imaginei, é difícil. Mas também quando eu acho, aí pronto, estou 100% satisfeito, só precisa que a pessoa seja bom ator, boa atriz, e graças a Deus todos foram”, diz o artista, revelando o fato curioso de que para “Retirante Juvenil”, o storyboard foi desenhado antes da seleção do elenco, mas acabou muito parecido com os atores escolhidos.

O resultado de tudo isso – memórias de infância, diferentes olhares sobre a vida no campo, além de afetos e reflexões por meio da literatura – poderá ser conferido neste domingo (27), no Brasil e no mundo, durante a sessão online.

Fonte: BN



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