Família de Beto Freitas critica uso político dos protestos pela sua morte

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40, homem negro espancado até a morte por seguranças em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, gerou uma onda de indignação em Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro, onde manifestações pelo Dia da Consciência Negra se tornaram protestos pela morte. Mas, para familiares e amigos de Beto ou Nego Beto, entidades políticas e sociais tentaram se apropriar do ato.

Thais Freitas, 22, filha mais velha de Beto, conta que viu pessoas distribuírem panfletos de políticos para os manifestantes. Durante o ato, entidades como a CUT e pessoas filiadas a partidos entoaram palavras de ordem contra o racismo e também contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Não foram todos”, diz. Ela conta que Matheus Gomes, 29, eleito neste ano vereador em Porto Alegre pelo PSOL, foi atencioso e a tem acompanhado de perto. “Ele envia mensagens perguntando se estou bem. Não tenho do que reclamar”, conta.

Para o presidente da Liga Passo D Areia de Futebol e amigo de Beto, Paulão Paqueta, 50, que pediu para ter seu nome reproduzido dessa forma, o que aconteceu no protesto foi “absurdo”. Paqueta afirma que muitas vezes mal podia escutar a manifestação e as falas de familiares e amigos por causa de um carro de som que teria sido levado ao protesto por entidades políticas que ele não soube nomear.

Recém-eleito vereador, Matheus Gomes disse à Folha que Thais e amigos de Beto têm razão em sua crítica e diz que orientou todos aqueles que conhecia e que foram ao ato para não levarem bandeiras ou faixas.

“Eu estava ali para eles. Era dia de escutar a família e tomar decisões a partir do que eles estavam propondo. Eu tive contato com a Thaís. Tenho amigos em comum com o Beto. Hoje [sábado] estive no velório a convite da Thais. Os movimentos precisam se solidarizar, porque não vemos essa expressão em quem está hoje no poder. As declarações do vice-presidente e do presidente podem transmitir sentimentos à família de modo formal, mas há uma consciência, do pai do Beto e da família, de que se tratou de uma violência racista”, afirma.

O vice-presidente Hamilton Mourão lamentou a morte, mas disse não considerar que o episódio tenha sido provocado por racismo. “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo.”

A Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil divulgou uma nota pública em que contradiz a fala do vice-presidente e afirma que a morte de Freitas “é um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira”.

Já o presidente Jair Bolsonaro não comentou especificamente sobre a morte de Beto Freitas, mas, em redes sociais, disse que é “daltônico” e que “todos têm a mesma cor”. “Somos um povo miscigenado. Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo rico e maravilhoso”, escreveu o presidente.

Bolsonaro sugeriu, em sua publicação, que a luta contra o racismo é promovida por pessoas que querem destruir a “simpatia” do povo miscigenado brasileiro e que o lugar de quem prega discórdia “é no lixo”.”Há quem queira destruí-la [simpatia], e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre classes, sempre mascarados de ‘luta por igualdade’ ou ‘justiça social’, tudo em busca de poder”, escreveu.

No Brasil, homens negros têm 77,1% mais chance de serem assassinados que os brancos, segundo a última ediçao do Atlas da Violência 2020. O assassinato de negros (homens e mulheres) aumentou 11,5% na última década.

Matheus Gomes também teve um familiar morto. Um policial atirou em seu primo, Djavan Rodrigues, pelas costas ao tentar separar uma briga em uma casa noturna em 2015. Djavan morreu aos 22 anos. “Eu não me coloco como parte desse conjunto. Já vivi situações como essa dentro da minha família.”



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