Roger Machado: negar e silenciar é confirmar o racismo

Vocês devem ter visto ou ao menos ouvido falar da entrevista coletiva de Roger Machado, técnico do Esporte Clube Bahia, no mês passado. A derrota por 2×0 para o Fluminense ficou em segundo plano depois da pergunta feita pela repórter Caroline Patatt, do canal FoxSports: ‘Queria que você falasse sobre a importância dessa campanha’, se referindo a iniciativa feita pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em que os dois únicos técnicos negros da Série A do Campeonato brasileiro se enfrentaram e entraram juntos em campo com uma camisa contra o racismo no esporte.

A resposta de Roger foi uma aula sobre racismo estrutural e institucional, como disse Caroline: “ele nos quebrou ao meio. Ninguém estava esperando”. Todos esperavam uma resposta protocolar, mas Roger dissecou o racismo dentro de um esporte que ainda não abre espaço para discussão política.

Conversamos com o técnico por WhatsApp sobre o racismo, sua visão política e o como o esporte, principalmente o futebol, pode contribuir para resgatar a autoestima dessas populações que tiveram acessos a direitos básicos negados por séculos.

The Intercept – Você é nascido em Porto Alegre, cidade majoritariamente branca, e hoje mora em Salvador, sendo a Bahia o estado com maior população negra fora da África. Que diferenças você enxerga entre esses lugares na questão do racismo na vida pessoal e dentro do futebol?

Roger Machado – Do ponto de vista da desigualdade, não vejo diferença. A elite soteropolitana é branca como em qualquer lugar. Mas por Salvador ter um maior número do que o resto do Brasil, isso levou alguns negros a chegarem em posições no topo da pirâmide, o que me faz sentir representado.

TIB – Relembrando o gesto de Tommie Smith e John Carlos nas Olimpíadas de 1968, com os punhos cerrados como os Panteras Negras, e a luta contra a ditadura no que ficou conhecido como Democracia Corinthiana: há quem diga que esporte e política não devem se misturar. Qual a sua opinião sobre isso?

RM – Minha opinião é que a política está em tudo. Não me refiro a política partidária, que é só uma parte disso. Por que futebol e política não poderiam se misturar? Para mim, parece que afirmar que futebol e política não se misturam é ignorar a potência dessa ferramenta como agente transformador. Ou afirmar que o atleta não tem o direito de ter posições sobre a sociedade, que é, enfim, um cidadão de segunda classe.

TIB – Houve críticas do público e da mídia após a sua fala no jogo contra o Fluminense?

RM – Houve críticas, mas não acompanhei. As que chegaram até a mim foram para salientar a coragem em fazer o discurso. Outras em agradecimento, as pessoas se sentiram representadas. Algumas mostrando preocupação com possíveis retaliações por abordar um assunto considerado tabu.



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