Na madrugada, moradores de rua dormem em agência bancária no centro de SP

Na madrugada, moradores de rua dormem em agência bancária no centro de SP

No piso liso da agência bancária no centro de São Paulo, o papelão vira cama, a blusa é travesseiro, os restos de uma vida espremidos na mochila. Do banco, eles não tem dinheiro, cheques ou cartão. Só buscam abrigo para as noites frias do outono paulistano.

Já são 22h e alguns foram se deitar. Com fome, pois a kombi das marmitas ainda não passou pelo Bradesco da rua Líbero Badaró, a 200 metros da sede da prefeitura. O saguão de entrada, onde ficam os caixas eletrônicos, virou albergue para 20 a 30 moradores de rua. O número muda toda noite. Cadê a kombi?

Durante o dia, eles flanam por aí: encontram amigos, procuram emprego, arrumam comida. À noite, chegam ao banco, se escondem do frio e do perigo. “Aqui a gente cuida um do outro, ninguém chega perto”, diz Francisco Marques, 26, há um mês dormindo na agência todos os dias.

“Me dá uma moedinha aí?”, ele pede. Hoje não, moço. Até que um dia uma moça saiu de um escritório e lhe deu R$ 50, na lata. “Me apaixonei na hora”, conta Francisco, baiano de Ituberá tentando a vida em São Paulo.

A “sorte”, diz, já lhe apareceu uma vez: no barraco de uma favela, encontrou uma caixa cheia de cocaína. “Valia R$ 50 mil. O que eu fiz? Cheirei tudo e agora estou aqui.” A sorte, hoje, poderia vir em forma de emprego ou daquela moça. “Vou casar com ela”, sonha Francisco.

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UMA ILUSÃO

E eles sonham com tanta coisa: com a marmita (cadê a kombi?), uma carteira assinada, a volta para casa, uma mulher, R$ 1.700 que estão bem ali, trancados naquele caixa eletrônico desligado.

“Preciso de R$ 1.700 para voltar para Curitiba”, diz Jonatan Cunha, 23. Em dezembro, após uma briga com a mulher, ele pegou a mochila, R$ 800 e só parou em SP. Na segunda (16), fez três entrevistas para garçom. Agora espera, com uma garrafinha de água na mão. Água, não, cachaça. Quem aguenta?

“Eu não bebo. Há dois tipos de pessoas: os que se entregam e os que não se entregam à rua”, teoriza Ricardo Medeiros, 33. “Os que se entregam andam de chinelo, roupa suja, os dedos pretos, bebem, usam droga.”

Ricardo veste camisa xadrez, tênis Vans, alargador, tatuagem no rosto. Ex-punk, hoje hipster, não se entregou à rua. Foi dormir nessa agência por causa de um amor. Morava no Rio, era bombeiro civil. Então conheceu uma garota em um bate-papo da internet, se apaixonou, largou tudo e seguiu para São Paulo.

O amor não durou, e ele, sem dinheiro, foi dormir na Líbero. Faz bicos de tatuador enquanto aguarda o seguro-desemprego para voltar ao Rio. E quem sabe uma nova chance dada pela ex? “Poderia pedir dinheiro para os meus pais, sacar aqui nesse banco mesmo. Mas não quero dar o gostinho de vitória para a minha mãe”, diz, orgulhoso.

DESEMPREGO

Por volta da meia-noite, a kombi das marmitas finalmente chega. Arroz, feijão e salsicha com molho ralo de tomate.
Forma-se uma fila. Um pastor distribui as quentinhas enquanto conta histórias da Bíblia, mas ninguém parece dar a mínima.

O pedreiro Francisco Teixeira, 50, pega uma marmita e senta na calçada. “A rua é complicada, você dorme com um olho aberto. Aqui no banco a gente se sente mais seguro.” Trabalhou por décadas nas maiores construtoras do Brasil, hoje envolvidas na Operação Lava Jato.

“Só na Andrade Gutierrez fiquei 12 anos”, afirma. Fez as linhas 4 e 5 do metrô de São Paulo. Em Porto Alegre, reformou o estádio Beira-Rio para a Copa. Faz seis meses que está desempregado.

Passa o dia em busca de um emprego com carteira assinada, documento que ele leva sempre no bolso. À noite, dorme na agência. “Você não acha emprego em nenhum lugar aqui em São Paulo”, diz, terminando a comida.
As quentinhas acabam e alguns homens ficam sem. Dormir com fome?

‘OS SEM-MARMITA’

Procurado, o Bradesco não comentou, mas sabe o que acontece na agência, já que o local tem diversas câmeras. De vez em quando, no fim da madrugada, uma voz surge no alto-falante: “Pessoal, vamos acordar e sair daí”. Eles saem, ou logo chega um vigilante.

“A gente faz a segurança do banco. Quem é o louco que vai querer explodir e roubar o caixa eletrônico com a gente dentro?”, diz Jonatan, ainda com a pinga na mão. Fala isso e vai mexer em suas coisas. Ficou sem a marmita.

Volta com um saco plástico na mão. Um saco mágico com seis coxinhas de frango. Jonatan pega uma e deixa o restante para os outros. Ninguém vai dormir com fome.

*Folha



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