Inflação do dia a dia: alho é um tempero que virou luxo

O tempero indispensável da cozinha brasileira está bem mais salgado. O alho, que é usado para preparar do arroz com feijão ao filé mignon, teve uma alta de 74,25% no preço em um ano, nos doze meses até fevereiro, bem acima da inflação, de 10,36%. Só em 2016, o aumento foi de 19,96%. Se o alho é temido pelos vampiros, seu preço virou preocupação para quem cozinha. De um lado, há quem já se adapte para enfrentar a alta do custo, reduzindo seu uso e aumentando o de outros temperos, como cebola, salsa e cebolinha. Do outro, estão os que não mudam suas receitas, mesmo que tenham que enfrentar o preço mais alto. A única unanimidade é que não dá para tirar o alho da cozinha.

— O preço do alho teve um aumento absurdo, está um horror. Mas o alho é insubstituível. Até os grandes chefs só usam o alho — conta Maria de Los Milagros Lorenzo Mendes, de 61 anos, que conta cozinhar “divinamente” com a ajuda do alho.
Excesso de chuvas e alta do dólar estão por trás da disparada recente de preço. Só que a moeda americana tem impacto forte por um detalhe: a maior parte do alho consumido no país é importada. A produção nacional responde por apenas cerca de 30% do consumo nacional. O resto vem de fora, principalmente da China e da Argentina. E uma briga comercial está no pano de fundo dessa história. O Brasil tem medidas de antidumping (de defesa comercial) contra o alho que vem da China há 20 anos, desde janeiro de 1996. É um dos exemplos mais antigos de medidas antidumping: já passou por três revisões e agora vale até 2018. Além disso, o alho chinês também está na lista de exceções do Mercosul, com tarifa de 35% sobre a importação.

O alho que vem da China é o branco, que perde em sabor e cheiro para o roxo, que é produzido no Brasil e na Argentina, mas ganha em preço. Na tradicional cantina italiana La Trattoria, no entanto, o alho roxo é o único usado, principalmente nos cerca de três mil pães de alho consumidos por mês. Para não falar das massas ao alho e óleo, no arroz com brócolis e até no molho de tomate. Ao contrário do tomate, que pode ser em parte substituído pela polpa de tomate industrializada, no caso do alho não há como fazer troca, explica o sócio, Guilherme Pautasso:

— Compramos em média 20 quilos de alho por semana. Há um ano, o quilo no atacado custava R$ 10 e agora está em R$ 16. O alho é o tempero básico por isso não mudamos a quantidade consumida.

Já na casa de Raimunda Lopes Holanda, de 73 anos, o consumo foi reduzido:

— O alho dá outro sabor para a comida, seja para carne, frango, arroz ou feijão. Não dá para trocar, mas reduzi o uso. Onde cozinhava com quatro dentes, passei a usar só dois. Antes comprava um quilo, agora só compro quando está em promoção e mesmo assim meio quilo.

Josicleide da Silva, de 30 anos, afirma que “usa alho para tudo”, mas agora diminuiu a quantidade e, para compensar, aumentou a de cebola:

— Comida sem alho é comida sem gosto.

ALTA DO DÓLAR

Nem mesmo quem vende alho está satisfeito. Representante comercial da Alho Riba Brasil, João Carlos da Silva fornece alho descascado para restaurantes e cozinhas industriais, mas seus clientes têm reduzido a quantidade comprada. Agora, tem buscado novos compradores para compensar essa queda.

Sócia do escritório Bichara Advogados e especialista em comércio exterior, Carol Monteiro de Carvalho afirma que, em momentos de inflação elevada e alta do dólar, é válido considerar se vale ou não manter medidas de defesa comercial:

— Uma vez aplicado o direito, a prorrogação das medidas antidumping costuma ocorrer. Mas as medidas são aplicadas em dólar. Quando o dólar sobe e a inflação está alta, vale fazer uma análise sobre as medidas e o que foi feito no período.

Presidente da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa), Rafael Jorge Corsino diz que por muitos anos os importadores burlaram as medidas de defesa comercial. Além disso, com receio da concorrência dos preços baixos do alho chinês, o produtor tem receio de aumentar a área plantada.

Pelos dados do IBGE, a área plantada chegou a subir de 12 mil hectares em 1996 para 15 mil no início do ano 2000, mas em 2014, último dado disponível, foi de 9.638 hectares.

— São 20 anos de proteção, mas enfrentamos subfaturamento de preço e não pagamento do antidumping. Agora, com o dólar alto, nosso custo de produção aumentou muito e não temos acesso a crédito — diz Corsino, que defende que o valor arrecadado com o pagamento das medidas antidumping fosse voltado para reinvestimentos na cadeia do alho.

O diretor do Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Marco César Saraiva da Fonseca, esclarece que a legislação vigente prevê que as medidas antidumping podem ser prorrogadas a cada cinco anos caso seja provado que sua extinção levaria à continuação ou à retomada da prática de dumping:

— No caso do alho chinês, ficou claro durante os processos administrativos de revisão da medida que os exportadores chineses continuam exportando alho para o Brasil a preços de dumping, o que causaria evidente impacto negativo aos produtores brasileiros.

INTERESSE PÚBLICO

Uma possível avaliação sobre a manutenção das medidas em função do interesse público só é feita pelo Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público, do ministério, sob demanda, e não houve nenhuma manifestação nesse sentido, de acordo com Fonseca.

Já o Ministério da Agricultura informou que oferece ao setor produtivo linhas de financiamento de custeio e de investimento (como máquinas agrícolas e irrigação) e que a Embrapa ajuda no desenvolvimento de tecnologias de produção para variedades de alhos mais produtivas. Uma das iniciativas da Embrapa, segundo o pesquisador Vilela Resende, é o incentivo dos pequenos produtores com a transferência de tecnologia, como do alho-semente livre de vírus:

— O Brasil tem condições de clima e de solo para produzir alho em várias regiões. No início dos anos 90, chegamos perto da autossuficiência, mas muitas regiões de pequenos produtores murcharam, agora temos conseguido fazer um trabalho importante em algumas áreas, como no oeste da Bahia.

No município baiano de Cristópolis, a produção de alho avançou, em dez anos, de 700 toneladas para duas mil toneladas por ano com a tecnologia, segundo a Embrapa.

*Globo



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