Jovens são os mais afetados na segunda recessão em 5 anos

Os brasileiros de 15 a 19 anos são os que tiveram o maior recuo na renda entre 2015 e 2019, com queda de 24%. Entre os de 20 a 24 anos, a perda foi de 11%.

Agora, os jovens estão novamente entre os mais atingidos pela recessão e o desemprego provocados pela Covid-19. Entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, esses grupos perderam 34 2% e 26% da renda, respectivamente, de acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social). No segundo trimestre deste ano, enquanto a taxa geral de desemprego no país era de 13,3%, entre a população de 18 a 24 anos ela alcançou 29,7%.

O desemprego é historicamente mais alto entre os jovens, mas a distância entre a média do país e a registrada entre eles aumentou na crise de 2015/2016 e nunca mais voltou ao nível anterior. Estudos mostram que o mercado de trabalho precário no início de carreira pode comprometer salário desses profissionais por toda sua trajetória, fenômeno chamado de “efeito cicatriz”.

Marcas da Covid

Edna Carolina Esteves Telmo tem 23 anos, é formada em Letras e teve um único emprego na vida até hoje, que durou cinco meses. Ela começou a procurar um primeiro trabalho pouco antes da recessão de 2015 e 2016, quando ainda estava na faculdade, para ajudar as tias a pagar as contas da casa. Tentou vagas de recepcionista e atendente, mas ninguém a contratou no meio da crise.

Após três anos de procura, no fim de 2018, conseguiu uma vaga em uma empresa de telemarketing, mas cinco meses depois foi demitida. “Estava tendo corte de pessoal e quem tinha avaliação da média para baixo foi mandado embora. Minha nota estava na média”, conta.

Desde o ano passado, ela voltou a buscar emprego, mas, com a pandemia do coronavírus, as perspectivas se tornaram piores. “Tenho tentado umas 20 vagas por mês, em qualquer área. Antes chamavam para entrevistas, parece que consideravam currículo sem experiência. Agora, não chamam nem respondem e-mail”, diz ela, que ajudou a pagar as contas da casa nos últimos meses com o auxílio emergencial. As tias, uma professora do ensino público e uma atendente em uma loja de cartuchos para impressora, sustentam a família.

Edna faz parte da geração que mais sofreu os efeitos das últimas crises: jovens cuja renda despencou entre 2015 e 2017, que não tinham conseguido se recuperar ainda desse impacto e que estão, novamente, entre os mais atingidos pela nova recessão.

Levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) aponta que pessoas de 15 a 19 anos foram as que tiveram o maior recuo na renda entre 2015 e 2019, com uma queda de 24%, seguidas por aquelas que tinham entre 20 e 24 anos cujos rendimentos diminuíram 11%. Agora, entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, esses grupos perderam 34,2% e 26% da renda, respectivamente.

A queda acentuada do rendimento dos jovens é explicada pelo fato de eles serem os mais atingidos pelo desemprego. No segundo trimestre deste ano, enquanto a taxa de desemprego no país estava em 13,3%, entre a população de 18 a 24 anos ela era mais que o dobro e alcançou 29,7%.

O desemprego é historicamente mais alto entre os jovens. A questão é que essa distância entre a média do País e a registrada entre eles aumentou na recessão de 2015 e 2016, nunca mais voltou ao patamar anterior e, na pandemia, disparou.

Antes de 2015, a diferença da taxa de desemprego entre a população brasileira em geral e os jovens era de 8,3 pontos porcentuais. Em 2017, chegou a 14,2 pontos e, com a recuperação – ainda que lenta – da economia em 2018 e 2019, passou a diminuir. A crise do coronavírus, porém, fez essa diferença alcançar 16,4 pontos porcentuais entre abril e junho de 2020. O problema é ainda maior quando se considera o chamado efeito cicatriz, isto é, um efeito de longo prazo na carreira dos jovens que entram no mercado de trabalho em meio a uma recessão.

Concorrência

A alta taxa de desemprego entre os mais jovens é explicada pelo fato de que, em meio a uma crise, pessoas com alguma bagagem profissional acabam topando trabalhar por salários inferiores, passando a ocupar vagas que, inicialmente, seriam destinadas aqueles que acabam de concluir os estudos.

O economista Lucas Assis, da consultoria Tendências, lembra que, globalmente, os jovens já têm uma dificuldade maior para se inserir no mercado devido a um problema de “assimetria informacional”, isto é, faltam informações para os empregadores sobre a produtividade de quem está no início da vida laboral.

“No Brasil, isso é mais grave por causa da baixa escolaridade. Jovens tendem a ter menos anos de estudo e concorrem com pessoas desempregadas de maior qualificação”, acrescenta Assis.

Programas de formação e incentivo fiscal

Melhorar a conexão entre escolas e o mercado de trabalho é uma das medidas que podem reduzir o desemprego de quem está começando a vida profissional, segundo o economista Marcelo Neri diretor do FGV Social. “O País está muito atrasado nisso, mas a reforma que vem sendo feita no ensino médio, com trajetórias (que permitem a escolha de disciplinas pelo aluno), vai na direção correta.”

Programas como o Formare, da Fundação Iochpe, estão entre os que estreitam essa conexão. O Formare oferece formação profissional a jovens em situação de vulnerabilidade por meio de parcerias com empresas. De seus alunos, uma média de 83% conseguem se inserir no mercado, mas a demanda é muito maior do que a capacidade da fundação. Desde o ano passado, são cerca de 80 candidatos por vaga; antes, eram de 30 a 40.

“Uma coisa que poderia ajudar bastante seria uma lei de incentivo fiscal para a educação, como temos para o esporte e para a cultura. Existe essa necessidade porque os colégios não estão preparados para apoiar o jovem na transição entre a saída das escolas e a entrada no mercado de trabalho”, diz o presidente da Fundação Iochpe, Cláudio Anjos. O incentivo fiscal permitiria que mais empresas destinassem recursos a projetos de formação profissional.

No curto prazo, porém, programas de transferência de renda, como o Bolsa Família ou o auxílio emergencial, estão entre as poucas saídas para amenizar a crise entre os jovens, de acordo com o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper. Para ele, no entanto, a única forma de realmente resolver o problema do desemprego entre os jovens é com crescimento econômico. “O País tem de crescer, ter produtividade. Esse é o melhor caminho. Quanto antes crescer, começa a gerar emprego de novo.”

Presidente do Fórum da Juventude da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Marcus Barão destaca que medidas que apoiam o empreendedorismo e incluam qualificação, acesso a crédito e desburocratização podem ajudar os jovens. Programas como o Jovem Aprendiz, acrescenta Barão, que constroem um caminho para o primeiro emprego, também são positivos. “Percebemos que jovens que participam desse programa se sentem mais estáveis e lidam melhor emocionalmente com a pandemia.”

Iniciativas que permitam empregadores contratarem jovens pagando menos tributos também são bem vistas por Barão desde que não reduzam direitos já adquiridos. No caso do contrato Verde Amarelo – criado pelo governo de Jair Bolsonaro, mas cuja Medida Provisória perdeu validade -, Barão aponta problemas por se sobrepor à Lei do Estágio.

“Qualificar o jovem é o mais importante”, diz Barão. “Se não fizermos isso, corremos o risco de milhões de pessoas deixarem de participar da economia, produzindo e consumindo. Com qualificação, além da possibilidade de os jovens se realizarem como cidadãos, serão capazes de oferecer algo para as gerações seguintes.”

‘Efeito cicatriz’: crise ameaça carreira

Além de a situação atual para os jovens já ser ruim, o futuro também não é nada promissor. Estimativas da consultoria Tendências apontam para um crescimento fraco do Produto Interno Bruto (PIB) na próxima década, com uma média de 2,4% ao ano até 2029. O mercado de trabalho deverá responder de modo gradual a isso, com a taxa de desemprego em dois dígitos pelo menos até 2029, quando deverá cair a 10,3% – hoje está em 13,8%.

“O desemprego vai ficar mais alto no ano que vem, prevemos 15,7% com pessoas que hoje estão fora do mercado começando a procurar ocupação. Para o mercado dos jovens, não vislumbramos um cenário otimista”, diz o economista Lucas Assis, da Tendências.

Se o cenário previsto por Assis se concretizar, os jovens brasileiros terão enfrentado, até o fim da próxima década, 15 anos de crise laboral, o que poderá marcar toda a trajetória profissional deles. Estudos apontam que as condições iniciais do mercado de trabalho podem interferir no salário e no emprego dos jovens durante toda sua vida, o que os especialistas chamam de “efeito cicatriz”. Assim, quanto maior o desemprego no começo da carreira, menor o rendimento futuro.

“O jovem, quando sai da escola, precisa experimentar várias ocupações para saber qual combina melhor com suas habilidades. Se entra no mercado de trabalho numa recessão, ele não tem essa possibilidade de experimentar ou fica desmotivado, perdendo conhecimento”, diz o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper.

Bruna Gabrielle Esteves, de 19 anos, faz parte do grupo de jovens que não têm conseguido se inserir no mercado e que podem sofrer impactos negativos durante toda a vida profissional. Bruna começou a estudar enfermagem no ano passado e tenta uma vaga desde os 17 anos.

“Procuro nas redes sociais. Também me cadastrei em quase todos os sites de emprego. Mas são poucas as vagas e, quando tem, a concorrência é muito grande e dão preferência para quem tem experiência. Fico na esperança de que, quando termine a faculdade, tenha emprego.”

Violência

Menezes Filho afirma ainda que estudos feitos na Inglaterra mostram que recessões no início da carreira profissional também aumentam a probabilidade de os jovens entrarem para o crime, além de reduzirem a produtividade do país. “Ou ele pode começar no crime ou ir trabalhar como entregador de aplicativo, que é o que tem hoje. Ele não vai alcançar a produtividade que teria nem a satisfação pessoal. Vai se acomodar em um nível mais baixo, com salário inferior. O país todo perde.”

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, lembra que a crise dos anos 1980 no Brasil foi um dos fatores que levou a taxa de criminalidade no País a patamares mais altos nos 15 anos seguintes. Segundo ele, o “efeito diploma” também pode perder sua eficácia.

“Logo que alguém consegue um título, o ganho de renda costuma ser maior. Se se perde essa janela de oportunidade por causa da pandemia, é possível que não haja uma recuperação depois”, diz Neri.

Apesar do quadro desanimador, há um fator que pode ajudar o jovem. A quarentena imposta pelo coronavírus tem acelerado a transformação digital das empresas e os jovens têm mais facilidade para lidar com essa nova economia.

“Mesmo tendo sido os mais afetados, eles dispõe de instrumentos para tentar se inserir nas novas tendências”, acrescenta o diretor do FGV Social.



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