Novas regras podem abrir caminho para consumidor escolher fornecedor de energia

Novas regras podem abrir caminho para consumidor escolher fornecedor de energia

Escolher um fornecedor para comprar energia diretamente deve ficar mais comum daqui a dois anos, quando o governo vai iniciar o cronograma de abertura do chamado “mercado livre”. Nesse modelo, o preço, a quantidade, o prazo de fornecimento e até a fonte da energia são negociados e definidos em contrato. O cliente pode comprar diretamente das geradoras ou de comercializadoras, que são uma espécie de revendedores.

Ainda neste mês, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) terão que entregar uma proposta de cronograma para ampliar esse mercado.

Hoje, apenas grandes empresas consumidoras de eletricidade, como as indústrias, têm o direito de escolher de quem comprará energia. De acordo com dados da CCEE de novembro, quase 10 mil clientes operam no mercado livre, número que vem crescendo rapidamente desde 2015. O dado inclui os chamados “consumidores especiais”, que só podem fechar contratos com fontes incentivadas, como as eólicas. Para receber a energia, porém, eles precisam estar conectados a uma rede e pagar uma fatura separada pelo serviço da distribuidora, a chamada “tarifa fio”.

Já os consumidores residenciais não têm opção hoje. Esses são atendidos pelas distribuidoras, que têm tarifas estabelecidas pela agência reguladora, e arcam com os reajustes anuais nas contas de luz.

Uma das vantagens para quem adere ao mercado livre é justamente a previsibilidade dos preços. Quem fecha um contrato sabe o quanto pagará pela energia que vai consumir durante toda a sua vigência. Já quando o consumidor compra energia das distribuidoras, as tarifas são corrigidas anualmente pela Aneel. O reajuste leva em conta a inflação e os custos da distribuidora com compra de energia, além dos investimentos feitos por ela.

Mudanças

Os órgãos reguladores deverão sugerir faixas menores de consumo para acesso ao mercado livre. As informações serão a base para o governo abrir uma consulta pública sobre o tema. A liberação também vem sendo discutida no Congresso Nacional. Duas propostas similares trazem diferentes prazos para a entrada de todos os consumidores do País. Os projetos, no entanto, pouco avançaram em 2021.

O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, afirma que a entrega de material ao governo permitirá uma discussão mais ampla. Ele explica que o objetivo é que a liberação resulte na redução das tarifas de energia, que sofreram aumentos consecutivos no último ano. A mudança, no entanto, exigirá um esforço de comunicação, pois o tema é desconhecido por boa parte da população, acostumada a receber a energia em casa, sem saber sua origem.

“O principal papel do regulador neste processo é a implementação da campanha de esclarecimentos e conscientização a respeito da migração”, afirmou. “Podemos até exigir que os fornecedores varejistas tenham produtos padrões divulgados na internet, para permitir que o consumidor faça simulações e comparação de produtos, para fazer uma escolha consciente avaliando custos, benefícios e riscos envolvidos”, disse, citando um modelo semelhante ao oferecido pelas operadoras de telefone.

Uma discussão mais intensa via governo federal traz grandes expectativas no setor. O vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel), Alexandre Lopes, afirma que é importante definir com antecedência os prazos para a abertura do mercado, para evitar desequilíbrios em empresas do setor elétrico.

“Hoje não se discute mais se devemos ou não abrir o mercado, mas sim como e quando. As distribuidoras também precisam ter uma previsão, para poder dimensionar sua contratação futura em leilões”, afirma. “Se você tem uma diretriz, o mercado se prepara, mas quando não há, as empresas têm que continuar no modelo atual. Claro, defendemos que seja o mais célere possível, mas respeitando toda a sustentabilidade da cadeia do setor.”

É justamente o equilíbrio do setor o grande desafio da discussão. Por este motivo, especialistas defendem que a redução do patamar de consumo para ingressar no mercado seja gradual, para definição de regras envolvendo os contratos de longo prazo das distribuidoras. A perda de clientes e a falta de demanda para a energia poderia levar a uma explosão das contas dos consumidores que permanecerem no mercado regulado.

O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, explica que os contratos das distribuidoras vão até meados de 2050. “Para abertura ampla é preciso resolver o problema desses contratos. Se todos se tornarem consumidores livres, as distribuidoras ficam com esses contratos e não conseguem repassar”. Segundo ele, uma possibilidade seria a definição de um cronograma por parte do governo e, posteriormente, confirmado pelo Congresso em lei.

A preocupação também está no radar da CCEE, de acordo com o gerente executivo de Regras e Capacitação, Cesar Pereira. “Uma premissa que existe é respeitar todos os contratos. Não vai abrir o mercado e quebrar contratos. O que estamos vendo é em que momento é possível concatenar a abertura do mercado, que tende a diminuir o mercado atendido pelas distribuidoras, com o montante contratual que elas têm para minimizar as questões de sobrecontratação, que podem acabar virando um encargo que todos vão ter que pagar”, disse.

Crescimento

A partir deste mês, mais empresas consumidoras de energia que operam no mercado livre terão o direito de escolher livremente de qual fonte irão adquirir energia. A ampliação está prevista em portaria editada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em dezembro de 2019, que flexibilizou os limites de carga elétrica consumida e visa acabar com uma reserva de mercado para fontes incentivadas, como eólica, solar, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

O cronograma estabelece que, a partir de 1º de janeiro de 2022, consumidores com carga igual ou superior a 1.000 quilowatts (kW) podem negociar com qualquer fonte. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) estima que 1.900 consumidores, que hoje estão no mercado livre na categoria especial, estão aptos para a categoria “livre”, onde é possível comprar energia de qualquer usina e não somente de fontes incentivadas.

Até 2021, a possibilidade de escolher livremente só era possível para aqueles que possuíssem carga igual ou acima de 1.500 kW. Já para 2023, o limite cairá para 500 kW, acabando com a “reserva de mercado” dos consumidores especiais.

O gerente executivo de Regras e Capacitação da CCEE, Cesar Pereira, explica que a limitação tinha como objetivo incentivar o crescimento de algumas fontes, que se tornaram competitivas no mercado. Ele avalia que a flexibilização aumenta a competição, o que permite mais possibilidades de ofertas compatíveis com a demanda de cada cliente.

 

Estadão Conteúdo



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