Fecha o cerco a Pazuello

Enquanto o Brasil ultrapassa a marca de mais de duas mil mortes diárias pela Covid-19, aumenta o cerco ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que vem sendo investigado em várias frentes e pode ser responsabilizado por sua caótica gestão no combate à pandemia. O general é alvo de duas notícias-crime enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que estão sob apuração na Procuradoria Geral da República (PGR): ele é suspeito de omissão durante o colapso no sistema de saúde de Manaus (AM), em janeiro, e de recomendar aos médicos que receitem cloroquina e outros remédios sem eficácia no combate à doença. Vale lembrar que no caso da cloroquina o presidente Bolsonaro também é investigado: os dois são suspeitos de incitação ao uso de remédio sem eficácia. A prática é tipificada como charlatanismo no Código Penal (artigo 283). Além disso, permanece no Senado o pedido para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue os erros e a negligência do governo federal no combate à pandemia, especialmente quanto à inação na ampliação de leitos de UTI aos estados, que dão sinais de colapso no sistema de saúde. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no entanto, ainda não decidiu se abre a investigação, que já tem votos suficientes para a seu funcionamento.

Documentos revelados esta semana indicam que o ministro e seus auxiliares mais próximos, quase todos militares, sabiam que faltava oxigênio em Manaus e que um colapso era iminente em janeiro. Estes documentos incluem um relatório assinado pelo próprio Pazuello, e-mails trocados entre o ministério e a empresa White Martins e relatórios da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). Tudo aumenta as suspeitas de que Pazuello foi omisso na crise de desabastecimento que levou à morte dezenas de pacientes por asfi

xia. A falta de oxigênio evidenciou a total falta de planejamento do ministro. A capital do Amazonas já enfrentava aumento na demanda por oxigênio hospitalar desde o final de dezembro, mas o governo não se mexeu para evitar o caos. Segundo a White Martins, que é a única produtora do oxigênio na cidade, com capacidade para produzir 25 mil metros cúbicos por dia, as autoridades foram informadas no dia 2 de janeiro de que a situação era “dramática”, já que o consumo estava muito além da sua capacidade de produção. Em meados do mês, quando a crise eclodiu, a demanda estava em 76,5 mil metros cúbicos por dia.

SILVIO AVILA

Tratamento precoce

No dia 11 de janeiro, quando Pazuello foi a Manaus, ele admitiu que sabia sobre a falta oxigênio na capital do Amazonas. “Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim”, declarou o ministro. Em relatório posterior, o general reconheceu a gravidade da situação. Ao descrever as ações tomadas entre os dias 6 e 16 de janeiro, o ministro detectou uma situação “gravíssima dos estoques de oxigênio hospitalar em Manaus”. A troca de e-mails entre a empresa White Martins e o ministério também sugere que houve omissão. Um diretor da White Martins enviou um e-mail ao ministério solicitando “apoio logístico imediato” para transportar 350 cilindros de oxigênio gasoso, 28 tanques de oxigênio líquido, 7 isotanques e 11 carretas com o insumo para a capital do Amazonas. A maior parte das demandas da White Martins não foi atendida e três dias depois a saúde em Manaus entrou em colapso, com a morte de 41 pessoas asfixiadas por falta de oxigênio. Na viagem a Manaus, porém, Pazuello preferiu lançar o aplicativo TratCOV, com dicas de remédios como a cloroquina e hidroxicloquina para o “tratamento precoce”, não reconhecido como eficaz pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O ministro está sob fogo cruzado também por não ter dinamizado o processo de vacinação em massa. Ele reduziu em cinco ocasiões a projeção de entrega das vacinas para março, de 46 milhões de doses para algo “entre 22 e 25 milhões”, como afirmou quarta-feira 10. A explicação para as reduções sistemáticas é que a vacina indiana Covaxin, cuja compra de 20 milhões de unidades foi autorizada por Pazuello, ainda está na fase 3 de testes, sem o uso emergencial autorizado pela Anvisa. Já as 10 milhões de doses da Fiocruz/AstraZeneca foram reduzidas para 3,8 milhões, após a fábrica em Manguinhos, no Rio de Janeiro, enfrentar problemas na linha de produção. Os entraves foram resolvidos e o governo cogitou importar o restante diretamente da unidade da AstraZeneca da Índia, mas a tentativa foi inviabilizada pelo governo indiano, que alegou estar em plena campanha de vacinação da sua população, preferindo não disponibilizar mais imunizantes ao Brasil, de 2 milhões de doses iniciais. Assim, além do pequeno lote local feito pela Fiocruz, o Ministério terá mais 23,5 milhões de doses da Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan, de São Paulo. “Em doses importadas, contratadas e empenhadas para laboratórios internacionais, nós temos muita incerteza de recebê-las. Não é tão simples, como é no caso do recebimento das doses do Butantan ou da Fiocruz”, justificou-se Pazuello, sem se dar conta que, se não tinha certeza de receber mais doses, não deveria tê-las anunciado. Por conta dessas trapalhadas, nesse mesmo dia o Brasil bateu um novo recorde de mortes pelo coronavírus, com 2.349 óbitos. Foi a primeira vez em que mais de 2 mil pessoas morreram pela doença no País. Com essas mortes, o Brasil ultrapassou 270 mil óbitos, só superado pelos Estados Unidos, onde sucumbiram mais de 530 mil pessoas.

Com a mudança constante na agenda de entrega das vacinas, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). enviaram ofício a Pazuello cobrando um cronograma detalhado para a entrega dos imunizantes até o final do ano e formaram um gabinete de crise para centralizar o combate à pandemia com a participação dos governadores, como forma de suprir a ausência de uma coordenação nacional no combate ao vírus. Lira e Pacheco questionam se datas anteriores divulgadas pelo coronel da reserva Elcio Franco, secretário-executivo do Ministério, serão mesmo mantidas. O coronel é o braço-direito de Pazuello e não é bem visto pelos governadores. Pouco simpático, já apareceu em uma entrevista coletiva com um botom “faca na caveira” na lapela do paletó. “O cronograma de vacinação sofre modificações a todo instante”, disse Pacheco.

Colapso nos estados

Apesar do quadro extremamente grave, Pazuello aparenta estar cada vez mais alienado em relação à tragédia. O ministro afirmou que a saúde “não colapsou, nem vai colapsar” em um vídeo gravado na quarta-feira, 10, quando pelo menos 13 das 27 unidades federativas já não tinham mais leitos para o atendimento dos doentes e mais de 4,1 mil pacientes aguardavam uma vaga na UTI. O cenário piorou no dia seguinte, quando a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou um levantamento informando que 20 estados já encontram-se em “alerta crítico”, incluído São Paulo e o Distrito Federal.

Para aumentar a tragédia, o Ministério da Saúde não cumpriu, até a quinta-feira 11, a decisão da ministra Rosa Weber, do STF, que determinou o “repasse imediato” dos recursos federais para a ampliação de leitos de UTI aos pacientes da Covid-19 aos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Maranhão. A liminar da ministra é de 27 de fevereiro e, apenas no caso de São Paulo o ministério é obrigado a repassar R$ 245 milhões por mês, mas até agora isso não aconteceu. “Parece inacreditável, mas é verdade”, comentou o governador de São Paulo, João Doria, sobre o descumprimento de uma decisão do STF pelo ministério. Nesta altura, diante de tantos erros e vacilos, Pazuello tornou-se um ministro incapaz e descartável. Congressistas e até militares já pediram o afastamento do general do cargo, alegando que ele vem prejudicando a imagem das Forças Armadas, mas o presidente resiste em demiti-lo. Seu trabalho na Saúde, contudo, vai ficar para a história como um dos piores de todos os tempos.

*Istoé



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