Em 2014, Rui Rezende sobreviveu ao maior desafio da vida dele. Uma queda de avião em meio a uma plantação de algodão. O G1 entrevistou o baiano, que contou detalhes sobre o acidente e o que mudou na vida dele nos últimos anos.
Rui Rezende tinha a companhia da piloto Ana Maíra Moraes (que também sobreviveu ao acidente), por volta das 11h do dia 24 de julho de 2014, quando o avião de pequeno porte em que eles estavam caiu na divisa de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano.
Quase sete anos depois, Rui lembra de muitos detalhes sobre o acidente. O fotógrafo revelou que as lembranças do pré e pós-acidente ainda estão vivas.
“Na verdade, eu estava fazendo fotos para o livro ‘Oeste da Bahia – O novo mundo’, que eu lancei em seguida, e a gente estava fazendo uns voos baixos, bem baixos, próximo do chão, para conseguir umas fotos diferentes, fotos mais inéditas”, conta.
A ideia era de que o livro tivesse uma foto de um desenho de mais de 10 mil metros quadrados, feito na plantação de algodão, pensado por ele e executado por oito pessoas – com ajuda de uma máquina colheitadeira e trator. A inspiração? Uma arte feita nas dunas no Naska, no Peru.
Máquina ficou destruída após acidente — Foto: Arquivo Pessoal
Quem olha o livro hoje encontra a fotografia na página 179. A foto foi tirada minutos antes do acidente e ficou guardada no cartão de memória, que foi intacto, mesmo após o impacto da queda do avião. A máquina fotográfica não teve a mesma sorte, mas está guardada com o dono, em Santo Antônio de Jesus, cidade onde reside, como lembrança do dia em que ele nasceu de novo.
“Com o desenho pronto, era só para a gente pegar o avião, eu e a piloto, sobrevoar para poder tirar fotos dele. A gente voou daqui, de lá, gira para lá, para o outro e, na verdade, nós fizemos essa foto. Foi feita a foto, beleza, linda, maravilhosa como eu queria”, lembrou.
Foto tirada por Rui Rezende momentos antes do acidente — Foto: Rui Rezende
Rui Rezende contou que ele já tinha terminado de fazer as fotos que queria e decidiu fotografar os funcionários da fazenda, como forma de agradecimento, quando uma manobra feita para pose ideal foi decisiva para a queda.
“Rodando para lá, rodando para cá, a gente fez uma manobra, a gente estava voando baixo e quando terminou a manobra, pegamos um vento de cauda, um vento que empurra ao avião pra frente. Ele perdeu a sustentação, a piloto acelerou o máximo que podia para ver se conseguia retomar, mas o avião foi para o chão”, disse.
O fotógrafo tem lembranças bem fortes dos primeiros socorros dentro da aeronave e a caminho do Hospital do Oeste, para onde ele e Ana Maíra foram levados. A piloto estava desacordada.
“Eles apagaram o princípio de incêndio, juntou uma galera para retirar a gente do avião, me colocaram dentro de um carro para levar até a pista de pouso da fazenda”, contou.
“Eu me lembro que eu dizia: ‘Olhe, você não pode me pegar assim não, minha coluna está doendo’. Só que eu não tinha forças para definir, para mandar parar, não tinha força. Eu tive que me entregar, claro que todo mundo estava fazendo um bem para mim, me salvando, socorrendo”.
Rui foi socorrido por funcionários da fazenda — Foto: Arquivo Pessoal
Rui Rezende e Ana Maíra foram levados por dois aviões até o Hospital do Oeste, em Barreiras. Ao chegar na unidade médica, sentindo muita dor na coluna, vieram os primeiros diagnósticos, seguidos de um apagão: risco iminente de morte e pressão 5/2.
“Rompeu a minha tripa e o meu fígado, então eu estava tendo uma hemorragia interna. Minha pressão estava baixa porque eu estava sem sangue no corpo”, contou. A primeira cirurgia ele também se lembra, ainda estava acordado, na maca do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu).
“Era muito grave, não me levaram para o centro cirúrgico e nem fizeram exames”.
Rui ficou em coma induzido e retomou a consciência no dia 3 de agosto, dois dias depois que tinha sido transferido para o Hospital São Rafael, em Salvador, e 10 dias após a queda do avião. No dia 12 de agosto, ele enviou uma mensagem de voz através de um aplicativo de celular para tranquilizar os amigos. No áudio, ele agradecia ao carinho e dizia que logo estaria bem para voltar ao trabalho.
Memórias
Fotógrafo voltou para agradecer a funcionários da fazenda — Foto: Arquivo Pessoal
Um diálogo com um funcionário da fazenda, que ajudou no resgate da dupla, ficou marcado na memória dele. Assim como o rapaz que cortou o cinto de segurança.
“Um funcionário da fazenda veio e segurou a minha cabeça com as duas mãos, eu estava com o rosto todo ensanguentado, eu não enxergava, porque meu olho estava tapado de sangue. Eu falei: ‘Rapaz, depois eu vou vim aqui e vou te dar um beijo”, contou.
“Eu fiquei preso no cinto de segurança, tanto que o rapaz que me salvou. Ele chegou a cortar o dedo”.
Rui Rezende visitou o Hospital do Oeste — Foto: Arquivo Pessoal
Entre dezembro de 2014 e março de 2015, Rui Rezende voltou à fazenda e aos hospitais do Oeste e São Rafael [para onde foi transferido em Salvador à época do acidente] para fazer os agradecimentos.
“Eu encontrei ele e falei: ‘Eu disse que ia voltar para te dar um beijo’. No Hospital do Oeste foi curioso porque eu cheguei muito ensanguentado, não vi o rosto de ninguém, mas fui lá agradecer e terminei conhecendo quem cuidou de mim”, conta.
“Tinha um senhor também, essa história é engraçada, ele falou assim: ‘O cara está perto da morte e fica xingando em vez de pedir por Deus’. Eu estava sentindo uma dor ‘retada’, frio, não recomendo cair de avião”, disse aos risos.
Rui visitou equipe do Samu em Barreiras — Foto: Arquivo Pessoal
Marcas da queda
Fotógrafo Rui Rezende e piloto Ana Maíra Moraes estavam em avião que caiu — Foto: Reprodução/TV Bahia
O acidente causou alguns danos para Rui Rezende e Ana Maíra. Ambos ficaram em estado grave por cerca de 40 e 50 dias, respectivamente. A piloto chegou a ser transferida para Salvador antes do fotógrafo, mas só teve alta médica mais de uma semana depois dele.
Agora são 33 parafusos no corpo: 14 no pé esquerdo, 12 no braço direito e oito na coluna. Entretanto, ele revela que não há nenhuma limitação nos movimentos.
Fotógrafo no Hospital São Rafael, em Salvador — Foto: Arquivo Pessoal
Ao todo, Rui ficou 42 dias internado entre os hospitais do Oeste e São Rafael, em Salvador. Ele teve alguns traumas na coluna, que impediam que ele andasse. De sequelas, ele contou que não consegue dobrar o pé esquerdo da mesma forma que o direito, mas isso não atrapalha na “vida prática”.
“Eu lembro que estava pele e osso, fiz muita fisioterapia, por cerca de seis meses. Eu falei para a fisioterapeuta que a primeira coisa que eu queria ganhar era bunda. Eu estava em uma cadeira de rodas e sentia muita dor sentado”.
Segundo Rui Rezende, Ana Maíra teve mais sequelas nas pernas, que causaram mais dificuldades para que ela voltasse a andar da mesma forma que era antes.
“A última vez que eu a vi, ela andava com dificuldades. Ela foi mais impactada no acidente”, contou.
Exposição e lançamento do livro
Fotógrafo lançou exposição quase dois meses depois de acidente — Foto: Arquivo Pessoal
“Minha vida está na primavera” foi o título da exposição de Rui Rezende, que foi lançada entre os dias 23 de setembro e 7 de outubro de 2014, quase dois meses após o acidente, no Salvador Shopping.
Na mostra, foram 22 quadros com legendas que abordaram a relação entre a natureza e o “renascimento” dele.
“Eu lembro que foi emocionante, porque eu não imaginava que em dois meses estaria lançando uma exposição. Lembro que eu ainda estava de cadeiras de roda, ficava duas horas lá, no máximo, e voltava para casa”, contou.
Uma das pessoas que foi visitar Rui na exposição foi a pilota Ana Maíra, que também se recuperava do acidente, e chegou ao local de cadeiras de rodas.
Rui assinando livros no lançamento do livro “Oeste da Bahia” — Foto: Arquivo Pessoal
A surpresa não parou por aí. Logo depois, em dezembro de 2014, o fotógrafo teve a oportunidade de lançar o livro “Oeste da Bahia”, no qual ele preparava quando o avião caiu. No livro, Rui mostrou um pouco sobre os mais de 130 mil quilômetros percorridos nos 35 municípios da região.
“O oeste da Bahia fica do outro lado do Rio São Francisco. Eu percorri todos os 35 municípios de carro, mais 130 mil quilômetros e fotografei aspectos da vida cotidiana de todos eles”, disse.
“O meu patrocinador de São Paulo me ligou e perguntou se eu poderia fazer o livro naquele ano. Eu nem sabia quando é que eu conseguiria voltar a fotografar, não sabia de nada, era tudo muito na incerteza. Eu não estava nem mexendo as pernas, imagine o resto”.
De moletas, fotógrafo acompanha a impressão do livro na gráfica — Foto: Arquivo Pessoal
*G1