A dura rotina de quem trabalha nas plantações de maconha na Califórnia

COVELO, Estados Unidos — Escondida nas florestas de Mendocino, acessível por uma estrada que corta morros de grama cheios de cascavéis, está a pequena cidade de Covelo, onde centenas de trabalhadores sazonais chegam todos os anos, ansiosos para ajudar na colheita mais lucrativa da região — a da maconha.

Esses trabalhadores, conhecidos como trimmigrants, pacientemente cortam as folhas e os caules de brotos de maconha, aparando cada um na forma de uma pepita verde compacta, pronta para bongos (aparelhos para fumar cannabis) e brownies “incrementados”.

É uma rotina diária entediante, que exige horas de trabalho manual. Uma vez embelezados, os brotos são enviados para dispensários legais da Califórnia, ou contrabandeados para mercados ilegais, inclusive do outro lado dos EUA, na Costa Leste.

Kuehl está entre os milhares de trabalhadores, em geral jovens, que passam diversas semanas do outono com bandejas de maconha no colo, trabalhando no chamado Triângulo da Esmeralda do Norte do estado, três regiões administrativas conhecidas pelo cultivo de grande parte da cannabis dos EUA.

— Você fica na frente da biblioteca e os agricultores aparecem perguntando se está procurando trabalho — disse Julian, de 28 anos, um argentino que não quis dar seu sobrenome porque estava trabalhando ilegalmente nos Estados Unidos.

Concorrência

Mas aparar a erva não é tão rentável como anteriormente. A legalização da maconha recreacional na Califórnia e em outros estados americanos ajudou a inundar o mercado com plantas cada vez mais baratas, dizem os produtores. E, como os riscos legais de cultivar maconha diminuíram, a concorrência de fazendas corporativas e do mercado negro aumentou.

— Mais e mais pessoas estão cultivando a erva e derrubando os preços — disse A. J. Cook, de 27 anos, que viajou de Chico para Covelo em sete temporadas e viu a redução do pagamento dos aparadores. — Isso me fez pensar: estou fazendo isso pelo dinheiro ou pelo estilo de vida?

Os aparadores são pagos por peso; portanto, a cada manhã, começa a corrida para podar a maior quantidade possível.

— Você tem de se comprometer com o trabalho — afirmou Kuehl, explicando como os aparadores suportam a monotonia diária, de outubro até dezembro, e possivelmente mais.

Às vezes, quando têm sorte, atingem um estado hipnótico de foco na poda da colheita aparentemente interminável de cannabis.

— Nós a chamamos de “dimensão verde” — disse Kelly Zimmerlee, de 27 anos. — Quando você tem a erva certa, as pessoas certas, a “vibe” certa, bingo! Não pensa em mais nada e apenas faz seu trabalho durante horas.

E para aqueles que estão curiosos: não, eles não ficam chapados no trabalho: “Eu não sou um drogado produtivo”, brincou Kuehl.

Se há uma preocupação que une produtores, aparadores e agências da lei, são os cartéis mexicanos de drogas. Nos últimos anos, os grupos criminosos cultivaram ilegalmente milhões de pés de maconha em terras públicas e privadas da região.

Para sustentar as operações ilícitas, dizem as autoridades, os cartéis fortemente armados roubam a água dos rios e dos córregos e envenenam o ambiente com fertilizantes e inseticidas tóxicos, além de deixar lixo para trás. As autoridades já gastaram milhões de dólares tentando erradicar as operações dos cartéis, que continuam a atormentar a área e seus moradores.

Mas os aparadores dizem ter ainda outras preocupações.

Nicole Tamaura, 23 anos, mexicana-americana de Tijuana, que começou a aparar há cinco anos, os três últimos deles em Covelo, tem sua cota de histórias de terror. Certa tarde, enquanto fumava um cigarro de maconha em frente à biblioteca, ela contou histórias de produtores que se recusaram a lhe pagar, de um policial que, segundo ela, apontou uma arma para sua cabeça, e do assédio sexual frequente, provação agravada pela natureza remota do trabalho: “Para uma mulher sozinha, é realmente assustador. Conheço garotas que desapareceram”.

Tamaura disse que adora aparar em Covelo, onde pode ganhar milhares de dólares por temporada, além de conhecer jovens de lugares tão distantes quanto a Etiópia:

— É uma pequena parada mágica para o universo.

Fonte: O Globo



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