Aluna da Ufba faz rifa para se manter em curso, mas perde dinheiro em golpe

Erica estuda Medicina e usaria dinheiro para se manter em Salvador; agora, organiza uma vaquinha

Erica Maria Silva, 30 anos, entrou para a lista de vítimas do golpe do aluguel sofrido por estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e noticiado pelo CORREIO. O valor que perdeu, R$700, estava no montante que juntou de uma rifa feita, justamente, para conseguir se manter em Salvador e continuar o curso de Medicina. Ela é filha de mãe solo que trabalha como diarista, nasceu em Garanhuns, no agreste de Pernambuco, e estudou por 4 anos até, finalmente, conseguir a aprovação para o curso que sempre sonhou.

Ela foi aprovada na terceira chamada do Sisu de 2019.2. Chegou em Salvador no dia 14 de agosto e descobriu que a seleção para receber auxílio moradia pela Ufba ou conseguir uma vaga na residência universitária foi encerrada no dia anterior. Durante o semestre, se manteve com o valor da rescisão que recebeu do último emprego. Logo depois veio a pandemia, e as bolsas não foram mais ofertadas. Ela passou a contar apenas com os R$ 250 do auxílio permanência. Sem conseguir se manter, voltou para Pernambuco.

Ainda não foi divulgado edital para o auxílio moradia. Por isso, veio a ideia da rifa para conseguir, ao menos, três meses de aluguel e mais uma quantia para transporte e alimentação. “Mas mesmo assim é incerteza porque, com os cortes, a gente não sabe se vai ter auxílio moradia. E na residência nem sempre tem vaga para todo mundo”, coloca a estudante.

Ela diz que, se não fosse o golpe, teria alcançado a meta. Agora, para alcançar o valor desejado, Erica abriu uma vaquinha. Quem quiser e puder pode contribuir com qualquer valor através do Pix [email protected]. O telefone para contato da estudante é (84) 98143-3789.

O golpe
O golpe de que ela foi vítima se baseia no anúncio de um quarto em um apartamento no bairro da Graça, somente para mulheres, através da plataforma OLX. A pessoa que aplica o golpe leva a conversa para o aplicativo WhatsApp, cobra o valor do aluguel adiantado para garantir a vaga, recebe o dinheiro e some. Ao menos seis alunas da Ufba já foram vítimas do golpe e perderam valores entre R$ 250 e R$ 1.500.

A golpista não teve compaixão de Erica, que contou da rifa, dividiu suas dificuldades, mas a criminosa não se importou. “Eu fiquei realmente muito mal porque tem amigos meus e professores me ajudando. Senti muita vergonha de ter caído no golpe. Eu perdi R$ 500 e depois R$ 200. A minha mãe nem sabe desses R$ 200 porque eu fiquei com vergonha de contar”, desabafa.

Para Erica, a golpista se apresentou como Duda, uma enfermeira e disse que o apartamento ficava no Edifício Presidente, na Rua Euclides da Cunha, na Graça. Duda pediu pagamento adiantado e, Erica, sem ter como ver o apartamento por estar em Pernambuco, pagou.

“Eu sempre alugo quarto porque não tenho como pegar um apartamento sozinha. E das outras vezes eu paguei esse adiantamento e não tive problema. Eu me surpreendo por não ter percebido. Eu estava tão desesperada para alugar um quarto que não reparei que o valor estava muito barato porque o prédio era muito bom e o condomínio seria caro”, diz.

A luta por uma vaga
Erica estudou durante a vida toda em escola pública, aprendeu a ler antes dos 5 anos, pulou série e sempre foi boa aluna. Hoje, é a primeira da família a colocar os pés em uma universidade. “Minha avó não sabia ler nem escrever. Ela foi trabalhar como doméstica com 9 anos, e o patrão a engravidou quando ela tinha 13. Ela sempre me dizia: ‘Estude para ajudar sua mãe’. Aquilo virou um mantra para mim. Sou eu que vou para a faculdade, mas não é só por mim, é por toda a minha família”, destaca.

Ao concluir o Ensino Médio, Erica foi trabalhar como assistente de eletroencefalograma para um médico neurologista, patrão da mãe dela. “Foi aí que eu tive contato com a medicina e quis ser médica, mas para mim era algo tão distante que eu não dei muita bola para essa vontade. Na minha cidade nem existia o curso de Medicina”. Ela só começou a perseguir o sonho a partir do incentivo de um cunhado, que tinha acabado de se formar em Medicina.

A doença da avó (radiculomielite), que teve início em 2014, também contribuiu para o sonho. “Eu via o atendimento que minha avó tinha no hospital e aquilo me indignava, até diagnóstico errado ela teve. Eles não ligam muito para o paciente. Eu que corria atrás, ficava de olho. Eu aprendi a trocar fralda, dar banho, até fazia isso para as outras pacientes da ala porque, se fosse esperar pela enfermeira, minha avó ia ficar lá mofando. O meu desejo é proporcionar um atendimento melhor, com mais atenção do que o que minha avó teve”, afirma.

A partir daí, Erica passou pelo curso de Engenharia de Alimentos, em Pernambuco, e pelo curso de Engenharia Química, no Rio Grande do Norte. Vendeu bijuteria, deu aulas particulares, foi professora de Química, trabalhou como atendente de telemarketing. Tudo isso enquanto estudava para o Enem com a ajuda de cursinhos que conseguiu através de bolsa. “Eu saía de casa às 5h30 e chegava às 20h30. Ia fazer as coisas da casa, fazer comida e depois ia estudar, então eu ia dormir 2h, 3h da manhã”, conta. A rotina pesada a levou à ansiedade e depressão.

Aprovação
No segundo semestre de 2019, finalmente veio a tão sonhada aprovação. Mas as dificuldades não tiveram fim. Agora, indo para o quarto semestre, Erica tenta uma vaga para uma bolsa de pesquisa.

“O critério é o rendimento no curso. Eu tenho um rendimento bom, mas nunca vou ter um rendimento igual ao de pessoas que não precisam se preocupar com o que vão comer e como vão pagar as contas, por mais que eu me esforce. Além do meu esforço no curso existe o meu esforço na vida, mas, infelizmente, isso não conta na hora de conseguir a bolsa de pesquisa. Me sinto constantemente nadando contra a corrente, sem direito a descanso”, desabafa a estudante.

Erica diz que a maioria dos seus colegas tem boas condições. “São filhos de militares, filhos de médicos, de engenheiros. Lá eu tiro uns 10% que têm menos condição, uns dois que estão numa situação parecida com a minha. Fora que ainda é um curso de brancos. De 80 alunos na turma você tira uns 10 que são negros, mesmo isso sendo em Salvador, a cidade mais negra do país”, destaca.

A estudante afirma presenciar, diariamente, o preconceito contra os alunos cotistas, que é o seu caso. “Um professor já disse na sala de aula que ‘antigamente Medicina era coisa para quem realmente merecia e hoje em dia qualquer um é médico’. Eu já peguei um Uber vestida com a camisa do curso de Medicina, parei na porta da faculdade e o motorista perguntou se eu fazia Enfermagem. As pessoas duvidam o tempo todo da capacidade dos cotistas, é muito preconceito”, lamenta Erica.

Fonte: Correio



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