Vacinação mais ágil poderia salvar 200 mil vidas até o fim de 2021, diz estudo

O Brasil chega à Semana Mundial da Imunização, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2012, próximo da marca de 400 mil mortes causadas pela Covid-19, em meio ao colapso do sistema de saúde em vários estados, ao aumento das restrições para tentar frear a escalada do número de contaminados e com uma campanha de vacinação que, em comparação a outros países, caminha a passos lentos (veja quadro abaixo).

Milhares de vidas poderiam ter sido poupadas até o fim de 2021 se o país tivesse começado o programa de imunização com vacinação em massa em janeiro, com cerca de 2 milhões de doses aplicadas por dia, segundo estudo realizado por pesquisadores brasileiros e ingleses e publicado na plataforma medRxiv.
“Se o governo federal tivesse aceitado as ofertas de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer e de 100 milhões de doses da Coronavac no segundo semestre de 2020, a aplicação de 2 milhões de doses por dia a partir de janeiro, teria poupado 110 mil vidas até o final de 2021”, afirma o epidemiologista Eduardo Massad, que é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e um dos autores do trabalho.

O epidemiologista explica que o cálculo foi baseado nas informações sobre a pandemia antes do surgimento da nova e mais transmissível variante do Sars-Cov-2, a P1, identificada primeiro em Manaus, capital do Amazonas, em dezembro de 2020. Ele diz que, ao corrigir esses dados levando-se em conta essa cepa, poderiam ter sido evitados 200 mil óbitos.

“O potencial que o Brasil tem para vacinar é de 2 milhões de doses por dia. É uma taxa razoável e factível”, diz Massad. “Temos 37 mil postos de vacinação no país, é uma rede muito boa, além da tradição em vacinar muita gente”, completa. A questão é que não contamos com o número de doses suficiente.

Levantamento feito em 23 de abril pela CNN com as secretarias estaduais de saúde indica que 5,48% da população brasileira recebeu as duas doses da vacina contra a Covid-19. A título de comparação, Israel, país que mais se imunizou no mundo, já tinha 61% de seus habitantes protegidos na mesma data.

O país do Oriente Médio começou sua campanha de imunização com a vacina da Pfizer/BioNTech em dezembro. Mais de 69% da população de 9,3 milhões de pessoas, incluindo cidadãos e residentes acima dos 16 anos, foi considerada elegível para receber o imunizante.

As medidas de isolamento e restrição de circulação das pessoas foram mantidas até o governo iniciar uma flexibilização no final de fevereiro. Desde o dia 18 de abril cidadãos israelenses podem transitar livremente sem máscaras ao ar livre (a obrigatoriedade continua para lugares fechados).
Sucessão de erros
O que explica o atraso do Brasil na vacinação, estratégia fundamental para tentar controlar a pandemia? De acordo com a epidemiologista Ethel Macinel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), chegamos a esse ponto devido a uma sucessão de erros.

A epidemiologista aponta o negacionismo presente no governo federal, que até pouco tempo não recomendava o uso de vacinas; a falta de uma coordenação federal das ações para conter o contágio, como adoção em massa do isolamento social, e a ausência de uma campanha nacional de imunização como alguns dos motivos para a atual situação.

“O presidente [Jair Bolsonaro] agiu a favor da crise. Só temos vacinas hoje em dia porque o Butantan e a Fiocruz foram atrás de parcerias, e os estados tomaram as iniciativas de comprar os imunizantes”, afirma Macinel.

A pediatra Flavia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), reforça que se o acordo do governo federal com o Pfizer/BioNTech tivesse sido fechado no segundo semestre de 2020, quando começaram as negociações, o cenário hoje poderia ser diferente. “Provavelmente não seríamos uma ameaça global”, afirma.

A vacina da Pfizer/BioNTech recebeu autorização de registro no Brasil pela Anvisa em fevereiro deste ano, quando o governo ainda negociava a compra do imunizante com a farmacêutica.

Isolamento social e novas variantes
A demora na imunização da população combinada ao relaxamento das medidas de distanciamento social são o cenário perfeito para o surgimento de novas variantes do novo coronavírus.

As especialistas explicam que quanto maior o número de pessoas imunizadas, menos chances o vírus tem de se replicar e dar origem a novas variantes. Isso acontece porque elas surgem a partir de mutações, que são adaptações que os vírus fazem para continuar entrando no organismo de pessoas não imunizadas ou parcialmente imunizadas.

Por esse motivo, as medidas de isolamento social continuam ainda mais imprescindíveis. Um estudo envolvendo pesquisadores de 15 instituições brasileiras e britânicas, divulgado em julho do ano passado, mostra que o isolamento social feito desde o começo da pandemia do novo coronavírus no Brasil – mesmo com todos os problemas e falhas – reduziu pela metade a taxa de transmissão da Covid-19 no país.

“O que nos resta agora é manter as regras mais restritivas até conseguirmos segurar um pouco a disseminação do vírus, e ampliar o número de vacinados”, afirma Bravo.

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) defende o lockdown nos estados e reforça o papel do governo federal nesse momento de crise. “O isolamento só vai ter uma aderência maior com um auxílio emergencial que possibilite às pessoas menos favorecidas ficarem em casa sem passar fome”, afirma.

Campanhas de vacinação
Os especialistas destacam ainda o problema da ausência de uma campanha nacional para esclarecer a população sobre a vacina contra a Covid-19. Segundo a epidemiologista Ethel Macinel, a falta de informação aliada à proliferação de fake news que circulam nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens sobre os imunizantes podem contribuir para a desconfiança de parte da população.

Em pesquisa divulgada em outubro do ano passado, cerca de 47% dos brasileiros disseram que só iriam tomar a vacina contra a Covid-19 depois do resultado da imunização em outras pessoas. “Precisamos reforçar que as vacinas são necessárias e seguras”, conclui.

A imunização em massa é importante para se chegar à imunidade de rebanho, quando o número de pessoas protegidas é grande o suficiente para evitar a proliferação do vírus e a contaminação de indivíduos que ainda não receberam as doses.

“Nenhuma vacina tem eficácia de 100%”, explica Flavia Bravo. “Sempre vai haver um percentual da população que não consegue se proteger.” Essa taxa está em torno de 30%. Daí a necessidade de que pelo menos 70% da população esteja imunizada.
Fonte: CNN



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