Após superar depressão, ex-modelo baiano estuda para ser padre

“Muita gente diz que eu poderia escrever um livro, pois vivi momentos intensos, marcantes e difíceis, mas vejo a mão de Deus em cada um deles”. Assim o baiano Marcus Andrade, de 31 anos, morador de Salvador, resume a própria vida. Há um ano e meio, ele vive no Seminário Central da Bahia, onde se prepara para ser padre. Antes de seguir este caminho, trabalhou como jornalista e como modelo, morou fora do Brasil, superou uma depressão e terminou um relacionamento de oito anos quando estava prestes a oficializar a união. Ao G1, ele contou um pouco da história e das perspectivas para a vida religiosa.

De família católica, sempre participou de grupos e atividades religiosas, trabalhou em ações comunitárias em bairros periféricos da capital baiana e em cidades do interior, porém, sem pensar no sacerdócio. O desejo surgiu após o término de um relacionamento que durou oito anos.

Imagine, eu jovem da igreja, ‘morando’. Não era casado. E aí, como falar sobre castidade, casamento, com os jovens? Aquilo me incomodava e decidi mudar”
Marcus Andrarde

O desgaste da relação foi provocado pela decisão de Marcus, que parou as atividades sexuais até que estivesse casado na igreja.”Eu pregava em grupos de jovens. Então imagine, eu jovem da igreja, ‘morando’. Não era casado. E aí, como falar sobre castidade, casamento, com os jovens? Aquilo me incomodava e decidi mudar. Saí de casa depois de mais de um ano morando juntos. Depois disso, passamos um ano em castidade, só que chegou um momento em que ela não quis mais. Respeitei a decisão, mas a minha estava tomada e não mudei”, argumenta.

Ele recorda que ouviu muitas críticas, inclusive de parentes, a respeito da opção de abstinência sexual, porém, manteve o propósito de viver de forma “coerente com os valores da formação católica”. “Apesar de a sociedade dizer que é impossível, conheço casais de namorados que vivem felizes assim. Era isso que eu queria para a minha vida, queria viver essa realidade com ela”.

Outro problema apontado por ele foi a “falta de compatibilidade”. “Estávamos vivendo momentos distintos. Eu já tinha me formado, trabalhava, ela estava começando a viver a fase da universidade, cheia de descobertas. Essa diferença fez com que a nossa relação mudasse”. Segundo ele, o término foi difícil para ambos. “Éramos muito apegados. Tínhamos o projeto de formar família. Terminamos 15 dias antes do meu aniversário, quando eu pediria a mão dela em casamento”, lembra. Atualmente, eles não mantêm contato.

Seminarista Marcus Andrade na Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)
Ir a praia é um dos passeios preferidos de Marcus (Foto: Arquivo Pessoal)

Depois do término do relacionamento, um padre sugeriu que Marcus conhecesse outras vocações da igreja. “Comecei sendo acompanhado por ele. Passei um ano fazendo os encontros vocacionais, um fim de semana por mês, que é uma introdução à vida religiosa. Pelo menos uma vez por mês eu dava uma desculpa para não estar em casa”. Ele não contou para a família e os amigos a ideia de entrar para o seminário.

“As pessoas começam a opinar, a favor ou contra, e eu fiquei com muito medo que isso me confundisse. Eu já estava muito confuso na época, porque era uma quebra de realidade. Eu adorava festa, praia, viagens, fazer farra com meus amigos, estar com minha família, e tudo isso ia acabar”, conta.

Nesse período, Marcus continuou trabalhando, saindo com os amigos e até se relacionando com outras mulheres. Chegou a engatar um relacionamento mais sério, ainda que rápido. “Ela sabia que eu estava fazendo o processo, não escondi. Meu pároco me dizia para me sentir livre, para continuar com a minha rotina, e foi o que fiz”. Somente quando havia decidido ser seminarista, comunicou aos familiares e amigos.

Segundo ele, apesar da surpresa geral, todos o apoiaram. “Os amigos criaram mais resistência, porque estavam acostumados com o Marcus das festas, das brincadeiras, das saídas, dos passeios. Os colegas de trabalho também. Na família, alguns acharam que eu estava indo para o seminário como uma fuga pela decepção de não ter me casado, mas depois que perceberam que não se tratava disso, todos comemoraram.”, detalha.

Padre Marcus Andrade (Foto: Arquivo Pessoal)
Seminarista baiano Marcus Andrade (Foto: Arquivo Pessoal) Experiências
Na adolescência, Marcus fez cursos técnicos na área de informática e chegou a trabalhar dando aulas e prestando serviço de manutenção de microcomputadores. Porém, quando concluiu o ensino médio, decidiu estudar jornalismo. “Sempre foi a minha paixão. Estagiei muito durante o curso e trabalhei até um mês antes de me formar, em TV e rádio. Fui muito realizado profissionalmente”.
Seminarista Marcus Andrade na Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)
Seminarista Marcus Andrade (Foto: Arquivo Pessoal)

Como jornalista, atuou em emissoras de rádio e TV da capital baiana e em assessorias de comunicação, entre elas a de uma equipe de futebol da Suíça. Ele morou no exterior durante seis meses. “Fui estudar língua e cultura Francesa, visando um projeto relativo à Copa do Mundo de 2014.  Lá surgiu essa oportunidade e topei”. Também trabalhou como modelo, mas sem grandes pretensões. “Nunca levei muito a sério. Eu ia mais por gostar da brincadeira de fotografar, gravar comercial, desfilar, e também para ganhar um dinheiro extra. Na época era estagiário, precisava de grana”

Marcus tem três irmãos. Os pais foram casados por quase 30 anos, mas atualmente estão separados. “Minha família, apesar de ser muito religiosa, praticante, era cheia de problemas”. Os conflitos familiares e o excesso de responsabilidades profissionais fizeram com que Marcus desenvolvesse depressão. Passou três anos em tratamento médico e chegou a morar em uma comunidade da renovação carismática, em busca de cura. “Hoje me considero totalmente são. É um dos milagres que Deus me promoveu”.

Deus me faz perceber que às vezes precisamos abaixar a cabeça”
Marcus Andrade

Além da cura da depressão, Marcus diz que recebeu de Deus “curas para alguns males da alma”. “Eu era um cara bem estressado. Vivia discutindo. Não chegava a brigar, mas quando tinha argumentos, batia de frente. Hoje sou mais paciente, escuto muito mais. Deus me faz perceber que, às vezes, precisamos abaixar a cabeça, mesmo quando estamos com razão”.

Apesar da trajetória diferente da maioria dos seminaristas (ele nunca foi coroinha ou catequista e é o mais velho da turma, cuja média de idade é  20 anos), nunca se sentiu rejeitado no seminário e informa que a formação tem uma preocupação com as individualidades de cada pessoa.

Segundo Marcus, muitas pessoas de fora não acreditam quando ele diz ser seminarista. O maior estranhamento aconteceu no início do curso de Filosofia da Universidade Católica de Salvador, que faz parte do processo de formação dos sacerdotes, quando, ele conta, algumas estudantes tentaram seduzi-lo. Ele revela que tem dificuldade de conviver com esse tipo de situação, já que considera o celibato como uma opção “extremamente complicada”. “Ainda hoje é difícil para mim. Tinha uma vida sexual saudável, ativa. Recebo muita orientação, fortaleço a minha fé para não cair na tentação”, admite.

Padre baiano Marcus Andrade (Foto: Arquivo Pessoal)
Seminarista Marcus Andrade (Foto: Arquivo Pessoal)

Na academia perto do seminário, onde pratica musculação quatro vezes por semana, durante uma hora, a situação se repete. “Tem gente que acha esquisito ver um padre ou um seminarista malhando. Mas é uma recomendação atual da igreja, inclusive, que os membros cuidem da saúde, pratiquem exercícios físicos, tenham alimentação saudável”, pontua.

Ele compara que era mais vaidoso antes de entrar no seminário. “Sempre gostei de malhar, de me cuidar, me sentir bem com a minha aparência. Mas ninguém pode viver refém disso. Meus conceitos mudaram nos últimos meses. Não aprovo o desleixo, que muitas vezes passa a falsa impressão de humildade. A palavra diz que somos templos do Espírito Santo, então devemos nos cuidar”.

Rotina
Entre a etapa preparatória, os cursos de Filosofia e Teologia e a formação específica, os seminaristas estudam pelo menos oito anos. Para Marcus, o primeiro ano no seminário foi tenso. “Foi muito difícil, não nego, por ser uma coisa muito nova para mim. Agora estou acostumado”. Os seminaristas vivem em regime de internato. No Seminário Central da Bahia, são mais de 50, acompanhados por quatro padres, além de funcionários. (G1)



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