Juntos, um casal de irmãos que vive em Itariri, na região do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, soma mais de dois séculos de vida. Na pacata cidade de pouco mais de 15 mil habitantes, eles moram em uma casa simples, sem luxo, e são conhecidos como “irmãos centenários”. Apesar da idade avançada, os dois deixam claro que gostam de comemorar aniversário para se sentirem vivos.
Alfeu Ribeiro completa 104 anos nesta quinta-feira (27). Para que a data não passe em branco, ele pediu para uma parente não se esquecer de providenciar um bolo e as tradicionais velinhas. Celebrar a vida é um dos poucos desejos que ele ainda tem.
“Todo ano é a mesma coisa. Ele faz questão de comemorar o aniversário. Sempre me avisa com um mês de antecedência. Isso faz bem pra ele. Ele gosta, é vaidoso, se arruma, faz a barba”, conta Ruth Souza Duarte, que é casada com um dos netos de Izaura Ribeiro Duarte, única irmã viva de Alfeu.
Izaura vai completar 100 anos no dia 1º de janeiro de 2017. A irmã mais nova tem uma memória de dar inveja em muita gente. Falante, ela gosta de recitar poemas e salmos e faz isso sem errar nenhuma palavra.
“Desde pequena sempre gostei de ir à igreja e participar das leituras e declamar as passagens bíblicas. Hoje tenho alguns probleminhas na vista e um pouco de dificuldade para andar e não vou mais, mas guardo em uma pastinha todos os textos. Rezo toda noite pela minha família e pelo meu irmão. Às vezes brigo com o Alfeu porque ele está esquecido, mas quero comemorar mais um ano de vida dele”, diz Izaura.
Ao contrário da irmã, Alfeu fala pouco, mas faz questão de ressaltar que vive bem. “Gosto de comemorar aniversário e cuidar das minhas ferramentas no quarto. Às vezes escuto rádio, televisão. É tudo simples”, comenta.
Com a timidez de Alfeu, durante a conversa com a equipe do G1 Izaura tomou conta do papo. Izaura é viúva e teve dois filhos: Vilma Duarte, com quem mora na mesma casa, e Walter Duarte. Ela lamenta o fato do irmão Alfeu não ter tido filhos.
“O Alfeu sempre foi solteirão. Não quis casar porque ele dizia que o dinheiro não daria para sustentar mulher. Ele trabalhou durante um tempo em uma colônia de férias em São Vicente, mas na verdade sempre foi uma pessoa calma e gostou de viver sem dar muita satisfação. Não fuma, não bebe, mas gosta de comer muito miojo e bolacha maizena”, brinca a irmã mais nova.
Atento à conversa, Alfeu se defende e explica a situação. “Nunca deu certo. Vontade a gente sempre tem (de casar),mas agora não quero mais, já passou do tempo”, comenta o aniversariante.
Falante, Izaura diz que quer passar mais um ano ao lado do irmão (Foto: Orion Pires/G1)Vida “rural”
Os “irmãos centenários” nasceram em Iporanga, também na região do Vale do Ribeira, e se mudaram ainda pequenos para a pequena cidade vizinha de Eldorado, que na época ainda era chamada de “Xiririca”.
A família de 11 irmãos viveu boa parte da infância e juventude na zona rural trabalhando em bananais. “Eu e meus dez irmãos embarcamos em uma canoa pelo Rio Ribeira (o maior da região) e formos para Xiririca (Eldorado) com os pais tentar a vida. Trabalhamos na roça, cortamos banana. Tudo isso para ganhar 1 kg de arroz e ter o que comer. Depois passamos um tempo em São Paulo e voltamos para o Vale do Ribeira. Nossa vida sempre foi aqui”, acrescenta Izaura.
As dificuldades do começo da vida deixaram os irmãos cada vez mais fortes. Mesmo “centenários”, a família considera que eles têm poucos problemas de saúde perto da maioria dos idosos. Nenhum deles é hipertenso ou tem diabetes, por exemplo. Izaura tem dificuldade para enxergar em um dos olhos e problemas no intestino. Já Alfeu toma remédios porque tem o “coração fraco”.
Cientes de estarem no que eles mesmos consideram a ‘reta final da vida’, os dois carregam um desejo parecido, que é o de pedir à Deus saúde para participar da festa de aniversário um do outro. “Queremos a permissão divina para participarmos de mais momentos juntos. Apenas isso”, conclui Izaura.
