‘Reconheci o nome e chorei’, diz outra vítima de suspeito de abuso em ônibus

Um dia depois de prestar depoimento sobre o abuso que sofreu em um ônibus, a estudante L.P.L., 24, viu a ofensa de que foi vítima se repetir pelas mãos do mesmo agressor.
Ela soube que Diego Ferreira Novais, 27, foi detido como suspeito de ter ejaculado em uma mulher em um ônibus na avenida Paulista, na tarde desta terça-feira (29).
Em março, a jovem afirmou à polícia que o mesmo homem esfregou o pénis em seu braço, também no transporte público, na mesma avenida. Ela foi a 14 mulher a fazer uma ocorrência no 78° DP, nos Jardins (zona sul de SP) contra Novais por abuso sexual. Nesta semana, os registros contra ele chegaram a 17. Dez deram origem a processos judiciais. Apesar disso, o delegado não pediu a prisão preventiva de Novais.

Foi em março, quando estava voltando para casa da USP (Universidade de São Paulo), onde curso ciências sociais. Às 20h30, estava entre o ponto de ônibus do Trianon-Masp e o prédio da Gazeta, na avenida Paulista. “Percebi que esse cara, sentado do outro lado do corredor [no ônibus], estava me olhando, e tapei meu decote com um livro, porque tive uma sensação ruim. Ele levantou, veio na minha direção, abriu o zíper da calça e esfregou o pênis no meu braço. Fiquei nervosa, mas não consegui gritar. Saí de perto, pulei a catraca e pedi para o motorista não deixar ele sair até chamar a polícia. O ônibus encostou, mas ele saiu correndo pela rua. Umas cinco pessoas correram atrás dele comigo. Um homem conseguiu segurar [o suspeito] e policiais chegaram para nos levar à delegacia. Uma mulher no ônibus me acompanhou, foi muito gentil comigo e me contou que já tinha passado por isso também, quando um homem ejaculou na sua saia no trem.
Na delegacia, a escrivã me disse que, para ser registrado como estupro, deveria ter penetração [em 2009, no entanto, uma lei ampliou o entendimento de estupro para todo ato sexual mediante violência ou grave, ameaça, mesmo sem penetração]. Para a moça que estava comigo, perguntaram se ela tinha visto o pênis. Ela disse que não, e descartaram que ela pudesse ser testemunha. Os listados foram os policiais, que me encontraram já na rua.

O caso foi denunciado como importunação ofensiva ao pudor, que é uma contravenção penal, menos que um crime [a pena prevista é apenas uma multa].

Na última segunda-feira (28), fui ao Fórum Criminal para prestar depoimento no Jecrim [Juizado Especial Criminal, de “pequenas causas”]. Cheguei com antecedência e sentei no corredor.
e se aproxima de mim.

“Oi, você é a vítima, certo? Sou o policial que te atendeu, fui chamado para depor como testemunha. Você tem a foto do acusado? Posso dar uma olhada?”

“Claro.” – Procuro rapidamente no meu celular e mostro ao policial, que diminui o volume da voz. “Você viu que ele está em pé ali no corredor, de camiseta verde?
“Não. O promotor me garantiu que ele não viria no mesmo dia e horário para depor. Eu telefonei para o Ministério Público na sexta-feira para me certificar.”
Como achei que ele não estaria lá, até recusei quando minha mãe se ofereceu para me acompanhar, porque pensei que estaria segura.
Ficamos em silêncio. O homem de camiseta verde senta a duas cadeiras de distância de mim. Depois de alguns minutos, incomodada, fui reclamar e me colocaram em uma sala separada.
Uma funcionária disse que, por ser um juizado que recebe muitas brigas de torcida, recebem sempre vítimas e réus juntos, para tentar uma conciliação.

Depois de esperar uma hora e meia, entrei na sala com o juiz, o promotor e a defensora pública do réu. Contei a história como se tivesse sido ontem.

-Quando o acusado esfregou o órgão genital no seu braço, você chegou a ver?
-Sim, olhei para o lado e vi.
-O pênis estava ereto?
Eu não sei, não fiquei olhando.
-Mas ele estava segurando o órgão?
-Sim.
Importunação ofensiva são essas perguntas que fazem, ou me colocar na mesma sala que o réu.


MEDO
Há seis meses, deixei de pegar a linha de ônibus em que aconteceu o assédio. Deixei de pegar qualquer linha de ônibus que passe próximo à residência do agressor.
Passei a ter medo de voltar à noite de ônibus. Há seis meses, levanto do assento se um homem senta do meu lado. Há seis meses, tenho crise de pânico dentro do transporte público e volto correndo do ponto até minha casa. Há seis meses, tento ir o mínimo de vezes possível para a faculdade no período noturno. Há seis meses, evito sair à noite.
Um dia depois do depoimento, recebi a notícia de que um novo caso tinha acontecido, e reconheci o nome dele. Não consegui parar de chorar. Até quando as mulheres vão sofrer violências assim?

Até mesmo locais que deveriam acolher têm atendimento horroroso. Depois perguntam por que as mulheres não denunciam ou por que as denúncias são subnotificadas, ou por que poucas seguem em frente no processo.

*Folha



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