Pacientes com mieloma sofrem com a falta de medicamento de alto custo na Bahia

“A gente vai ficar sem a medicação pra morrer?” A indagação feita por Mônica Souza, de 34 anos, que tem mieloma múltiplo, tipo de câncer na medula óssea, é difícil de responder, pois há quase um mês ela está sem usar um fármaco de alto custo, assegurado por força de uma determinação judicial.

Infelizmente, essa realidade não faz parte apenas da vida de Mônica Souza, moradora da cidade de Catu, na RMS (região metropolitana de Salvador). Há pouco mais de um mês, alguns pacientes que fazem tratamento no Hospital das Clínicas em Salvador estão sem receber a medicação.

Assim como a moradora de Catu, Maria de Lurdes de Jesus, de 73 anos, também enfrente dificuldade para encontrar a medicação para tratar o mieloma múltiplo, descoberto há pouco mais de um ano.

A filha da idosa, Mônica de Jesus Barbosa Matos, revela que a mãe está há duas semanas sem utilizar o medicamento, que deveria ser administrado uma vez por semana. O tratamento de Maria de Lurdes pode ser normalizado, nesta terça-feira (12), “por conta da sobra de outro paciente”, conta Mônica.

O médico Edvan Crusoé, hematologista que trabalha no Hospital das Clínicas, explica que os pacientes não têm acesso a medicação pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e só conseguem os fármacos de alto custo mediante liminar na Justiça. A concessão da liminar deveria assegurar o acesso dos pacientes a medicação. Deveria, mas não é isso que ocorre na prática.

A Sesab (Secretaria de Saúde do Estado da Bahia), responsável por comprar e repassar o medicamento para pacientes que fazem o tratamento no Hospital das Clínicas, informou que a referida medicação, Bortezomid, está em processo de compra e deverá estar disponível em 30 dias.

Contudo, segundo o médico, a secretaria não realizou a entrega em março deste ano. Ele revela ainda que “tiveram dois dias, por exemplo, que alguns pacientes não fizeram o tratamento, porque não tinha mais o remédio”.

— No mês de março não foi entregue a medicação. Não tem previsão de quando esse fármaco irá chegar, porque o pessoal da Sesab também não tem previsão.

Para ajudar, em alguns casos, o que sobra de uma medicação é misturado com a de outro paciente e aproveitado para tratar mais uma pessoa. A escassez resulta na utilização mais consistente, sem desperdício. E foi graças a essa atitude que Mônica Souza conseguiu a medicação, na última vez. Ela conta que “outro paciente tinha e deram compartilhado”. Uma vez por semana, ela deveria fazer uso do fármaco, mas isso não está acontecendo. Essa seria a pior notícia para quem enfrenta a doença.

Edvan esclarece que, por se tratar de um fármaco de alto custo, distribuído mediante liminar judicial, o que sobra nos frascos é compartilhado para forma uma “dose plena” para outro paciente.

— O paciente não recebe uma subdose, hora nenhuma. Ele está recebendo a dose correta. A gente consegue, na verdade, fazer um não desperdício do fardo.

Enquanto não há uma definição sobre a regularização do fármaco, os pacientes ficam angustiados, pois a doença não espera prazos e tampouco entraves burocráticos.
Mônica de Jesus teme que a interrupção do ciclo agrave a doença ou provoque alguma reação, mas esconde o sentimento da mãe.

— Não passo para [ela] não ficar nervosa, porque mexe com emocional. Eu fico apreensiva. Não podemos ficar sem a medicação.

A preocupação da filha da idosa tem fundamento, pois o hematologista adverte que, com a realização incorreta, “pode haver um prejuízo no tratamento, na resposta terapêutica do paciente. Pode impactar na sobrevida”. Edvan afirma que o atraso não acarretaria a morte do paciente, mas poderia “causar uma resistência e a doença ficar com mais dificuldade de ser tratada”. Ele categórico ao afirmar que “há um prejuízo para o paciente, sim”.

— O ideal seria que não ocorra de forma alguma.

Para Mônica Souza, os pacientes são tratados com descaso pelo único sistema que a maioria da população brasileira “tem acesso”.

— A pessoa não pede pra ficar doente. Ninguém quer usar mediação, ninguém quer usar droga, porque a medicação é uma droga, na verdade. A gente fica doente porque quer?

Além de enfrentar a enfermidade e todos os efeitos colaterais de necessitar do atendimento na rede pública de saúde, que há certo tempo vive à beira do colapso, as pacientes com mieloma múltiplo travam uma luta pela qualidade de vida, negada pelo sistema que deveria assisti-los.

*R7



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