Metade da população mundial sofre de dor de cabeça, diz estudo

Cientistas reveem números globais e corrigem prevalência estimada de 35% para 52%; presença de enxaqueca é 18%, sendo que dois terços dos casos são em mulheres
Foto/Reprodução

Um grupo norueguês de cientistas revisou os números sobre ocorrência de enxaqueca na população global e concluiu que 52% das pessoas no planeta relatam ter dor de cabeça ao menos uma vez por ano. A porcentagem é significativamente maior do que os 35% estimados pela iniciativa Global Burden of Disease (GBD), que mapeia o impacto internacional de diferentes doenças e serve de referência para a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Realizado por cientistas da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, o trabalho buscou fazer uma análise mais detalhada dos números, reunindo 357 estudos epidemiológicos de todo o mundo para analisar o cenário. Depois de aplicar diversas correções estatísticas (sobretudo para compensar a falta de pesquisas sobre o tema em países pobres), a estimativa cresceu em relação aos cálculos da GBD.

Apesar de os números gerais de prevalência terem sido revistos, o trabalho chegou a percentuais similares aos conhecidos para duas diferentes classificações do problema. A enxaqueca afeta 14% da população global, e as dores de cabeça com alta frequência (por mais de 15 dias por mês) prejudicam a vida de 4,6% das pessoas.

Os números foram publicados nesta semana na revista científica The Journal of Headache and Pain, do grupo Nature. No estudo, os pesquisadores liderados pelo neurologista Lars Jacob Stovner confirmam tendência já observada no GBD de que a prevalência de enxaqueca e dor de cabeça frequente em mulheres é aproximadamente o dobro da dos homens.

Geneticamente, homens e mulheres têm a mesma tendência a ter enxaqueca. Porém, a doença é facilitada pelo estrogênio, o hormônio feminino, enquanto a testosterona masculina tem ação “protetora”. Por isso, a partir da puberdade, a mulher fica mais suscetível às crises.

Também há variação regional no estudo, com a América Latina e o Caribe tendo mostrado prevalência maior que a média (55%). A única região da OMS com índice maior é a que inclui Oriente Médio e Norte da África (60%).

A margem de erro das estimativas nos países mais pobres, porém, foi mais alta, porque os levantamentos epidemiológicos são mais raros e menos detalhados.

Para compensar as lacunas na disponibilidade de dados, os cientistas fizeram análises de diversos fatores para saber quais poderiam contribuir para distorcer dados. Levaram em conta a época em que o estudo foi feito, a região, os subgrupos incluídos e outros fatores.

Os números revistos apontam que, todos os dias, pelo menos 15% da população sofre de um episódio de cefaleia durante o dia. Incluindo estudos de 1960 até 2020, os pesquisadores ainda ressaltam que a prevalência geral de dor de cabeça parece estar subindo em muitas regiões, mas a precisão dos dados não permite tirar conclusões definitivas.

“O que está claro é que, no geral, os transtornos de dor de cabeça são altamente prevalentes no mundo todo e podem ter um impacto alto. É interessante que no futuro analisar as diferentes causas e como elas variam entre os grupos para direcionar melhor a prevenção e o tratamento”, afirmou Stovner, em comunicado.

Uma das conclusões curiosas do trabalho foi a faixa etária de maior prevalência de cefaleia, entre 10 e 19 anos. Segundo Thais Villa, neurologista e diretora clínica do Headache Center Brasil, é a primeira vez que o grupo abaixo dos 20 anos aparece como o mais acometido pelo problema:

— No contexto da pandemia, os gatilhos para quem tem tendência à dor de cabeça e enxaqueca se agravaram. E como a maturidade neurológica, ou resiliência, só é alcançada na vida adulta, pré-adolescentes e adolescentes, ainda em desenvolvimento, acabam sendo mais afetados por fatores estressores.

Covid longa

Para Alex Machado Baeta, neurologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, a pandemia foi sentida nos consultórios dos especialistas. Dores de cabeça estão na lista de sintomas relatados da chamada “Covid longa”.

— Com o surgimento da Covid-19, o número de pacientes com cefaleia crônica aumentou, e pacientes que já sofriam de enxaqueca pioraram muito — revela.

Entre os tratamentos para enxaqueca disponíveis hoje estão a neuroestimulação, que ativa nervos da cabeça por meio de aparelhos e torna o paciente mais resistente a crises; e a toxina botulínica, que é aplicada nas passagens nervosas inflamadas para “acalmar” o cérebro.

É importante ressaltar que dor de cabeça é um sintoma de que algum órgão do nosso corpo está em sofrimento, afirma Villa.

— Posso ter dor de cabeça, por exemplo, devido a uma inflamação no dente ou a um quadro viral. Já a enxaqueca é uma doença, que está relacionada à alta sensibilidade do cérebro aos estímulos do ambiente, também chamados de gatilhos. Assim, a automedicação com analgésicos e anti-inflamatórios de balcão de farmácia, se em excesso, faz apenas com que a dor fique pior, crônica — explica. — É preciso tratar a causa, a doença, e não apenas os sintomas.



Veja mais notícias no blogdovalente.com.br e siga o Blog no Google Notícia