Zika e dengue podem ter interação perigosa, mostra estudo em roedores

© Reuters

Ter pegado alguma das viroses da moda como dengue e zika pode ser bastante prejudicial para uma infecção subsequente, mostra um novo estudo da revista “Science” que fez testes in vitro e em roedores.

Trata-se do efeito conhecido como potencialização dependente de anticorpos (antibody-dependent enhancement, ou ADE, em inglês). O que acontece é que anticorpos, em vez de neutralizar e promover a aniquilação de um vírus, acabam se ligando a ele de uma forma “frouxa”, permitindo que ele seja internalizado e se reproduza sem dificuldades no interior de células do organismo.

Esse fenômeno biológico vem sendo estudado já há algum tempo e é uma das explicações mais plausíveis para o aparecimento das febres hemorrágicas em uma segunda (ou terceira, ou quarta) infecção pelo vírus da dengue.

Esse número limite de infecções, quatro, tem um motivo -existem quatro subtipos do vírus da dengue (DENV1 a DENV4). Geralmente há uma predominância de um deles em cada epidemia, o que não impede, entretanto, que os demais também circulem na mesma época.

A esse notório quarteto de vírus, juntou-se o vírus da zika (ou ZIKV) -até pouco tempo atrás restrito à África e Ásia. Só há um subtipo dele e os cientistas ainda não sabem exatamente como ele entra nessa ciranda dos flavivírus relevantes para a saúde pública.

Com a ideia entender melhor essa interação, pesquisadores da Suíça, EUA, Reino Unido, Itália, Vietnã e Austrália uniram forças e estudaram 119 tipos de anticorpos de quatro doadores infectados pelo vírus da zika. Duas dessas pessoas já haviam pegado dengue; as outras duas, não.

Boa parte dos anticorpos (41) atacaram uma proteína não estrutural (chamada NS1) produzida por células infectadas pelo ZIKV enquanto ele tenta escapar do sistema imunológico -nesse sentido a NS1 funciona como uma “bomba de fumaça”, enganando o organismo enquanto o vírus se multiplica. Por outro lado, anticorpos contra essa mesma proteína podem ser úteis em testes diagnósticos que diferenciem dengue de zika.

NEUTRALIZAÇÃO

A proteína E, que forma a cápsula de proteína que envolve o vírus, também foi reconhecida pelo organismo e anticorpos contra ela foram produzidos. (Neste caso, a maior parte dos anticorpos contra a porção 3 da proteína E -de três existentes- era bastante específica, não havendo tantas ligações inespecíficas de anticorpos em proteínas de outro tipo viral que não fosse aquele da infecção original, diminuindo a reatividade cruzada e o ADE).

Em testes, os cientistas viram que o plasma (fração do sangue onde estão os anticorpos) de pacientes que já foram infectados pelo DENV3 ou pelo ZIKV potencializou a ação do DENV1 em testes in vitro. Esse seria um indício de que uma infecção prévia “poderia significar um risco de uma doença mais severa por meio da exposição a um vírus heterólogo via potencialização dependente de anticorpo”, escreveram os autores.

Estudos anteriores já haviam feito testes semelhantes e alertado para a possibilidade. O grupo, no entanto, deu um passo adiante no quesito complexidade: realizou testes em animais (camundongos). Doses de anticorpos de alto poder de neutralização (particularmente eficazes em se ligar aos vírus), tanto antizika quanto antidengue acabaram piorando sinais e sintomas sofridos pelos camundongos após a infecção por DENV2. Os bichos morreram no quinto dia de doença.

Versões artificialmente modificadas dos anticorpos foram capazes de neutralizar os vírus sem que piorassem o efeito de potencialização, dando indícios de que podem servir de base para um soro que ajude a tratar a zika, “tanto de forma profilática quanto terapêutica, especialmente em mulheres grávidas em áreas de risco”, concluem os autores.

Outro vírus da família dos flavivírus, o da febre amarela, interage de maneira distinta com vírus da dengue. Ter tido dengue (e ter produzido anticorpos contra os vírus) pode atenuar a gravidade de uma infecção pelo vírus da febre amarela, apesar de não evitar, segundo resultados obtidos em humanos, que ela ocorra.

VACINA

A caracterização do efeito de potencialização dependente de anticorpos (ADE) representa mais um obstáculo para os fabricantes de vacinas contra dengue e contra zika. Ao deixar um “buraco” na imunidade contra a zika, por exemplo, uma vacina contra os quatro vírus da dengue poderia estar predispondo os imunizado a casos graves da recente epidemia, ligada a casos de microcefalia e outras más-formações em bebês, além da síndrome paralisante de Guillain-Barré.

Para o professor titular da USP Jorge Kalil, que também é diretor do Instituto Butantan, onde vacinas contra as arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti são desenvolvidas, o risco de ADE existe, mas isso não invalida a busca da vacina contra a dengue, que está em fase final de estudo.

“Dengue mata muito mais que zika”, diz o professor. Ele faz a ressalva de que ainda não há estudos que comprovem que essa potencialização de infecção aconteça em humanos. “O raciocínio é lógico, mas em biologia, tudo tem que ser demonstrado”. Segundo Kalil, se após contrair zika uma pessoa tem risco aumentado de morrer em em uma infecção por dengue, isso não aconteceria se ela tivesse sido vacinada e adequadamente imunizada.

Dada a menor gravidade da infecção por zika, isso justificaria a opção por vacinar imediatamente contra a dengue assim que houver vacina disponível. “Temos que pensar no nível da saúde pública para saber quem tem risco de ter dengue, e quem se beneficiaria mais dessa vacina”, afirma Kalil.

O professor diz que o desenvolvimento das vacinas no país está atrasado por causa da diminuição da chegada de verbas: “É muita burocracia para se obter o dinheiro em uma situação de emergência. Isso tem que ser repensado. No Butantan e em outras instituições como a Fiocruz [que também está desenvolvendo vacinas], o dinheiro prometido pelo governo também não está chegando -e sem dinheiro a gente não consegue fazer nada.”

(Notícias ao Minuto)



Veja mais notícias no blogdovalente.com.br e siga o Blog no Google Notícia