Paternidade responsável: mais de 50 mil crianças já foram reconhecidas pelo programa

Gabriel*, 11 anos, perdeu a mãe em 2011, vítima de um câncer. Passou a viver com a tia e a avó no bairro do Tororó. O pai? Tão desconhecido para ele quanto invisível no registro civil – o primeiro documento de uma criança e aquele que é a base de tudo, inclusive de que ela existe legalmente.

Mas a vida de Gabriel está prestes a mudar. Na semana passada, o menino – que sequer sabia o que estava para acontecer – ganhou um pai  na vida e no documento. E não foi nenhum milagre do dia 12 de outubro, que carrega a missão de ser o Dia das Crianças ao mesmo tempo que é o dia da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida.

Foi o resultado de um DNA mesmo: o exame, realizado em 2011, pouco antes de a mãe do garoto morrer, foi finalmente aberto na última quinta-feira (veja ao lado). “Ele não sabe que estamos aqui ainda, mas ele queria ter o nome do pai”, conta a tia, irmã da mãe, Mônica*. O local ao qual ela se refere explica muita coisa: era a sede do Núcleo de Promoção da Paternidade Responsável do Ministério Público do Estado (Nupar), em Nazaré.

Gabriel, até então filho único, vai ganhar oito irmãos. “Para ele, vai ser uma vida nova. Vai poder contar com o pai e poder brincar com os irmãos”, diz, sorrindo, o “novo” pai, o colorista Paulo César Portugal, 37.

A história de Gabriel, em alguns pontos, lembra um roteiro de filme ou de novela. Mas a coordenadora do Nupar, a promotora Joana Philigret, garante que casos assim não param de chegar à sede do núcleo. Desde que o programa foi criado, há 17 anos, já foram mais de 50 mil reconhecimentos de paternidade em todo o estado.

Conhecer a origem
O ponto de partida foi a lei da investigação de paternidade, instituída em 1992 pelo Planalto. “Mas o MP verificou que essa quantidade (de crianças sem o nome do pai no registro) era tão grande que a gente precisava tomar uma atitude proativa”. Foi quando o órgão fez um convênio com as secretarias municipais de Educação, além da Secretaria da Educação do Estado (SEC). “Todos os anos, depois que a gente fecha a matrícula, recebe a listagem dos alunos em cuja certidão não consta o nome do pai. Identificamos isso por bairro e tratamos as estratégias dos mutirões”, conta.

Nesses mutirões – que, em Salvador, já passaram por 30 bairros – há também palestras focadas nas mães: elas precisam entender que os filhos têm direitos, mesmo que o pai esteja morto ou seja casado. Sem contar que, nos últimos anos, a coisa ficou bem mais fácil com os exames de DNA. E os pais “fujões” podem ser encontrados de várias formas – dados na Embasa, Coelba ou até Facebook.

Para a promotora, não há como negar a diferença que o reconhecimento traz para uma criança. “Muda demais (a vida). As crianças pedem, elas se reconectam com a sua origem e isso é maravilhoso. O ser humano precisa conhecer sua origem. É um direito da personalidade e um direito fundamental, reconhecido constitucionalmente”.

Mais que registro
Uma novidade é que, desde o mês passado, passou a vigorar a Lei estadual da Paternidade Responsável, proposta pela deputada estadual Luiza Maia (PT). Agora, todos os órgãos de registro civil devem comunicar os nascimentos sem identificação de paternidade à Defensoria Pública do Estado.

Mas o caminho é longo. Segundo o MP-BA, em 2016, mais de 55 mil estudantes matriculados na rede estadual de ensino não tinham o nome do pai nos documentos. Desse total, 18,7 mil estão em Salvador. Além disso, na rede municipal daqui, são outros 8,6 mil.

“Achamos o número grande, mesmo no universo de 139 mil (alunos) e temos percebido que tem aparecido um número maior entre os pequenininhos”, afirma a coordenadora de matrícula da Secretaria Municipal da Educação (Smed), Agda Cruz.

E, há, claro, outros direitos que a criança passa a ter, a partir do momento que é reconhecida também pelo pai.  “Começam a existir direitos e deveres para o filho e para o pai. A criança ganha direito aos alimentos, o direito de discutir como seria a guarda e acrescenta a parte da ancestralidade, que são os direitos de visita dos avós”, diz a defensora pública Donila Fonseca, subcoordenadora da especializada de Família.

Além disso, quando a criança for fazer uma viagem internacional, por exemplo, e só tiver a mãe, só ela precisa autorizar. Se tiver os dois pais, pode ser necessária a autorização dos dois. Pela Defensoria, que tem a campanha Sou Pai Responsável, mais de 12 mil reconhecimentos já foram feitos desde 2007.

Tanto a promotora Joana Philigret quanto a defensora Donila Fonseca, no entanto, destacam que a paternidade não é somente ter o nome no papel – o pai deve participar da vida da criança. “A relação acaba, mas o vínculo paterno é para sempre. Não adianta empurrar para baixo do tapete, porque a criança vai perguntar. O direito de visita é da criança”, completa a promotora.

A psicóloga clínica Niliane Brito também reforça que, no fim das contas,  o registro é algo simbólico. “A criança sabe que ser pai é cuidar, é ser presente, é proteger. Também não é como alguns pais que acham que é dar presente. Há muitos pais que não escutam o que a criança quer, mas quando ela tem uma figura paterna bem definida, ela tem mais segurança”, explica.

Encontro cinco anos após exame de DNA
Parece enredo de filme: em vida, a mãe de Gabriel*, 11 anos, nunca contou quem era o pai do garoto. Depois de muita insistência – inclusive, do colorista Paulo César Portugal, 37, que achava que o menino pudesse ser seu filho – ela aceitou fazer um teste de DNA em fevereiro de 2011. A família acha que ela escondia porque os dois só tinham ficado. Foram, então, à sede do Núcleo de Promoção de Paternidade Responsável do Ministério Público do Estado (MP-BA), em Nazaré.

Gabriel estava junto, mas não tinha muita noção do que acontecia. No dia de abrir o exame, ela não foi. Já estava doente: era câncer. Morreu pouco depois. Os anos passaram e Gabriel foi morar com a tia e a avó, no Tororó. “Um dia, no ano passado, a gente veio no (mercado) Bompreço (em frente ao núcleo) e, quando ele viu o Nupar, disse: ‘Tia, eu já vim aqui uma vez com minha mãe e tiraram meu sangue”, conta a tia dele, Mônica*. Ela suspeitava de Paulo César, mas sua irmã também nunca tinha dito nada. Escondido da mãe, avó do menino, decidiu buscar o exame. Quase cinco anos depois, Gabriel ganhou um pai. Mas ele ainda não sabia: por mais que acreditasse que o sobrinho ficaria feliz, Mônica achou que era melhor ter certeza, esperar o resultado e conversar com calma. Já Paulo César, pai de outros oito filhos, não escondia a felicidade com a chegada do nono. (Correio)



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