Como lidar com assédio contra jornalistas nas redes sociais

Já não se pode pensar na segurança de jornalistas como questão restrita às zonas de conflito. Nos últimos anos, o ambiente digital tem se tornado um espaço de disputas de narrativas, onde se alastram comportamentos extremos de quem ainda considera a internet uma terra sem lei.

Pela natureza investigativa da sua profissão, o jornalista está suscetível a críticas. Mas é importante separar a crítica ao trabalho de ofensas à pessoa. Também é fundamental não naturalizar os assédios como se fossem ossos do ofício ser alvo de ataques.

Desde 2017, o programa Tim Lopes da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo vem construindo uma rede de jornalistas ao redor do país para investigar assassinatos, tentativas de homicídio ou sequestro de repórteres, como forma de combater a impunidade de crimes “no mundo real”. Com esta nova publicação, a Abraji pretende sensibilizar veículos, jornalistas, empresas de tecnologia, entidades ligadas ao jornalismo e à liberdade de expressão e autoridades policiais e da Justiça para a gravidade do assédio online, bem como recomendar a necessidade de jornalistas e redações elaborarem protocolos de defesa contra esse problema.

Neste material, há orientações práticas para lidar com ataques nas redes, além de recomendações que prezam pela privacidade dos jornalistas e por um uso consciente das redes sociais. A Abraji entende que registrar comportamentos abusivos e eventualmente buscar seus direitos na Justiça são meios de mostrar aos agressores que há consequências para a violência praticada na internet.

Recentes ataques coordenados a jornalistas nas redes sugerem a atuação de grupos organizados, com diferentes vieses ideológicos, que agem de má-fé para desqualificar o trabalho do jornalista. Tais acontecimentos contribuem para uma desconfiança geral na imprensa, o que não é saudável para nenhuma democracia.

Além disso, o dano emocional de um assédio na internet é real e tem impactos na saúde do jornalista e no seu cotidiano profissional. Ainda que a maioria das agressões online não extrapole para as ruas, não se pode subestimar esse risco. Em primeiro lugar, está a integridade do jornalista, para que ele siga seu trabalho em defesa da liberdade de imprensa.

É fundamental fazer um uso consciente das redes sociais e monitorar sua presença na web para não ser surpreendido com o uso de informações pessoais contra você. Além disso, é importante proteger suas contas porque é comum a tentativa de invasão nas redes da vítima durante ataques massivos. O assédio virtual é assimétrico porque a vítima não tem controle sobre suas causas e o fim do ciclo de agressão depende quase sempre de uma decisão dos perpetradores. Oferecemos as dicas a seguir como formas de potencialmente prevenir esse tipo de assédio e reduzir os danos caso ele ocorra.

Separe sua vida privada da profissional

  • Preserve sua privacidade e de seus familiares, em especial das crianças. Conteúdos que expõem pessoas próximas a você podem ser usados nos ataques.
  • Uma medida de prevenção é criar perfis pessoais com nomes diferentes daquele que você usa para assinar suas reportagens.
  • No Instagram e no Twitter, é possível fechar os perfis e autorizar individualmente quem pede para seguir você.

No Twitter:

  • Você pode bloquear contas específicas para que determinada pessoa não lhe siga. Neste caso, você também não poderá segui-la. Diferentemente do que acontece ao silenciar uma conta, quando você apenas deixa de ver os tuítes da conta silenciada, sem deixar de segui-la.
  • Você pode importar listas de contas bloqueadas de outro usuário. É útil em caso de ataques organizados a um grupo de jornalistas.

No Facebook:

  • Você pode criar um perfil para assuntos privados e uma página para sua atuação profissional. Importante saber que a página tem menos alcance orgânico na rede, ou seja, depende de impulsionamento pago para atingir mais pessoas.
  • É possível ainda construir listas personalizadas de usuários e definir para quem cada post estará visível.
  • Você pode restringir para amigos posts antigos que estejam públicos.
  • bloqueio serve para impedir que um usuário veja o que você publica no seu perfil ou mesmo inicie uma conversa com você.
  • Aqui você encontra mais dicas de segurança no Facebook para jornalistas, com orientações passo a passo.

Proteja suas contas

  • Use senhas longas, que podem incluir letras, maiúsculas e minúsculas, números e caracteres especiais. Você pode formar frases que sejam fáceis de lembrar.
  • Gerenciadores de senhas gratuitos, como o LastPass e o KeyPassXC, armazenam várias senhas para que você não repita senhas para diferentes contas. Veja mais dicas sobre senhas seguras.
  • Habilite a verificação em duas etapas. A maioria das contas de email e de redes sociais disponibilizam esse recurso. É uma segurança extra caso sua senha seja roubada. Para fazer login em duas etapas, será solicitado um código especial além da sua senha, normalmente enviado a um dispositivo móvel.
  • Cuidado com as perguntas de segurança. Trata-se de outro recurso comum para recuperação de senha. Evite perguntas cujas respostas possam ser facilmente encontradas. Por exemplo: se escolher a pergunta “qual o nome do meio da minha mãe” lembre-se que essa informação pode estar nos seus perfis ou em comentários na sua rede social. Alguns websites permitem criar suas próprias perguntas de recuperação, use este recurso sempre que possível.

Monitore sua presença na rede

  • Pesquise seu nome em um buscador que não guarde seu histórico de pesquisa, como faz o Google. Veja opções aqui.
  • Seu número de celular está na assinatura do seu e-mail ou na sua página profissional? Esforce-se para lembrar quais dados seus estão públicos ou de fácil acesso. Se você é um Microempreendedor Individual (MEI), por exemplo, lembre-se que o endereço associado à empresa é público. Se você tem domínios registrados, é possível que seu endereço ou outros dados pessoais também estejam disponíveis na rede.
  • Você pode desativar a função de geolocalização de seus posts nas redes sociais. Lembre-se que fotos podem identificar seu endereço e lugares frequentados, que também podem ser indicados pelos eventos públicos em que você confirma presença.

Não seja surpreendido

O elemento surpresa pode ampliar o choque de quem é assediado nas redes. Por isso, é importante se antecipar sem incorrer na autocensura; a ideia não é deixar de publicar nenhuma pauta, mas não ser pego de surpresa com eventuais ataques.

Mapeie riscos

  • É difícil prever quais assuntos podem atrair manifestações violentas, mas monitorar o debate público é uma boa estratégia para identificar as pautas que vêm gerando mais disputas.
  • Repórteres que cobrem futebol e política têm sido atacados com mais frequência. Recentemente, o trabalho de checagem de fatos e pautas sobre arte contemporânea e questões de gênero foram tema de ataques massivos.
  • Jornalistas mulheres costumam ser mais atacadas nas redes do que presencialmente. Diferentemente dos casos contra jornalistas homens, as ofensas e intimidações têm caráter sexista e conotação sexual.
  • Fique atento a quem são os atores que se valem de estratégias violentas nas redes e observe seus métodos de operação. Normalmente o assédio se intensifica após a manifestação de uma pessoa pública contra o jornalista. É comum, após a difamação ou ameaça em diferentes redes sociais, a tentativa de invasão das contas de serviços online da vítima, o envio de mensagens privadas, e-mail bombing (envio massivo de mensagens e cadastro do e-mail da vítima, sem autorização, em sites de conteúdo pornográfico, entre outros). Menos frequentes, mas possíveis, são agressões nas ruas após os ataques na internet.
  • Os sites Salama (em inglês e espanhol) e Security Planner (em inglês) ajudam você a calcular o risco de ataque online.

Crie alertas sobre novos conteúdos que citem seu nome

  • Você pode ser notificado cada vez que seu nome é publicado na web. Em caso de conteúdos abusivos, pode ser útil saber antes de viralizar. O Google oferece esse recurso.

Tenha um plano de ação

  • Não deixe para tomar decisões no meio da crise. Os ataques tendem a ser intensos e podem fragilizar você, prejudicando seu discernimento. É importante saber de antemão como reagir, como lidar com os agressores, que direitos você tem e que tipo de apoio pode ser útil nesse momento. Na próxima seção, selecionamos recomendações que podem ajudar você a planejar um protocolo de defesa.

Fui assediado nas redes, e agora?

É hora de colocar em prática o seu plano de ação para lidar com os ataques. Nesta seção, você encontra orientações. Cobre dos seus superiores um protocolo da redação. É fundamental que os veículos definam estratégias de defesa e apoio a funcionários ou freelancers que eventualmente venham a sofrer assédio online.

Tenha calma

  • É o conselho que ninguém sob estresse quer ouvir, mas é importante não entrar em pânico para acionar seu protocolo de defesa. Tente se lembrar de que, por mais assustadora que possa ser a repercussão inicial de um ataque massivo, a sua intensidade tende a diminuir, até finalmente cessar.
  • Procure diferenciar o assédio do risco de uma violência física. Analise a intenção do autor da ameaça e a capacidade de levá-la adiante. Haters costumam ser intensos no primeiro aspecto, mas a probabilidade de concretizar a ameaça pode ser baixa, ou inexistente (caso de gente de outro Estado, por exemplo, dizendo que você merece morrer).

Não entre em discussões

  • Perseguições nas redes não têm nada de racional, pelo contrário. Não é hora de responder aos agressores na tentativa de se defender, nem de atacá-los. É pouco eficaz e bastante desgastante. E pior: suas respostas tendem a virar munição para novos ataques.
  • Uma parte significativa dos ataques é feita por robôs — mais um motivo para não respondê-los. Grande volume de publicações, com intervalos curtos entre elas e sobre um único tema podem indicar um bot. A partir desses e outros critérios, sites como o Pegabot calculam a probabilidade de um perfil ser automatizado.
  • Avalie a possibilidade de se manifestar publicamente, reafirmando a importância do seu trabalho e da liberdade de imprensa.

Evite deletar ou fechar seus perfis

  • Em vez disso, cogite separar seus perfis pessoais dos profissionais. Lembre-se que o objetivo principal dos ataques é calar o jornalista e afastá-lo do debate público nas redes.
  • Existe a possibilidade de bloquear os usuários que ofenderam ou ameaçaram você nas redes sociais. Porém, antes disso, faça prints das ofensas, caso queira processar os abusadores na Justiça.

Valorize as críticas construtivas

  • No meio dos ataques, pode haver críticas que merecem ser ouvidas. É importante ser transparente e, se houver erro, se manifestar a respeito.
  • Responda a quem faz críticas respeitosas a seu trabalho. Em momentos de crise, essas pessoas podem formar elos com aquelas mais radicais e abrandar os ânimos.

Preserve-se

  • Uma alternativa eficaz é passar as senhas das suas redes a alguém de confiança, que possa monitorar os ataques e coletar as provas, poupando você do desgaste emocional.
  • Considere buscar apoio psicológico. Algumas vítimas lidam relativamente bem com a situação, outras sentem-se assustadas, impotentes e até responsáveis pelo ataque.
  • Não subestime o impacto do assédio em seus familiares, em especial nas crianças. Explicar o que ocorreu e como você vai lidar com a situação ajuda a tranquilizá-los.

Crie uma rede de apoio

  • Comunique seu caso a colegas e superiores, ou veículos para os quais trabalha, se você é freelancer, e discuta a possibilidade de manifestações públicas em sua defesa. Dar visibilidade ao caso pode interromper o ciclo natural de declínio dos ataques.
    Entidades que podem prestar apoio:

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

 



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