Apesar de dificuldades, Brasil continua a ser um país importante para investidores

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O Brasil continua a ser um importante destino para investimentos, mas precisa começar a modificar a maneira como se apresenta ao mundo, defende Rogério Studart, membro do Global Federation of Competitiveness Councils, em Washington (EUA), e ex-diretor-executivo do Banco Mundial e do BID.

O economista acredita que o país, de modo geral, e a Bahia, em particular, devem investir na atração de investimentos em infraestrutura sustentável, aquela cuja implantação impacta positivamente no meio ambiente e na realidade socioeconômica. Ele é um dos palestrantes do seminário Diferencial em Tempos de Crise, do Fórum Agenda Bahia, no dia 8 de novembro, no auditório da Fieb. O Agenda Bahia é uma realização do jornal CORREIO e da rádio CBN, em parceria com Braskem, Coelba, Fieb e Prefeitura de Salvador.

Qual é o caminho que o país precisa tomar para se tornar interessante aos investidores?
Eu acho que o Brasil já é suficientemente interessante para o investimento privado. O problema é que o momento, que é de muita instabilidade econômica e política, gera dúvidas a respeito de quando entrar. Estamos falando de investimentos produtivos, de gente que quer investir em máquinas e equipamentos, esses tipos de coisas. Esses caras estão olhando para as tendências mais de longo prazo. Estão procurando saber qual é o momento de entrar. O principal empecilho hoje é o sentimento de que o país está vivendo um período excepcional sob o ponto de vista político e econômico. Uma vez que isso se tranquilize, as oportunidades são muitas.

Essa sensação de instabilidade não se modificou após o processo de impeachment?
Eu acho que mudou um pouco porque ao final do processo,  o Estado brasileiro ainda estava completamente incapaz de tomar decisões. E o setor produtivo ficava um pouco à mercê disso. O Estado em todo o lugar do mundo dá o horizonte de crescimento e o que acontecia antes é que havia um ambiente de incerteza e de obstrução. Independente do que pretendia fazer a presidente Dilma, o fato é que ela não fez nada que imaginava poder fazer. Me parece que já começou sem fazer aquilo que queria.

Quais os sinais que o Brasil deveria emitir para mostrar ao investidor que ele é atrativo?
Eu acho que fez parte do período excepcional que o Brasil viveu a criação de uma imagem do Brasil para si mesmo e para o exterior muito negativa. Você precisa voltar a mostrar para o mundo que estamos falando da sétima economia do mundo, que tem uma classe média relativamente estabelecida, um setor produtivo – que está apanhando, mas tem fôlego – é sistemicamente sólido e tem uma agroindústria muito interessante, um potencial de recursos naturais incrível… A nossa logística está muito atrasada, os investimentos demoraram muito para retornar. Isso se deu só a partir dos anos 90 e houve uma aposta muito grande de que o setor privado iria complementar isso. Não aconteceu. Mas se você tiver uma política de investimentos em infraestrutura e logística boa, continuar mantendo os pilares de uma economia de classe média, com o real mais valorizado, dar mais fôlego à indústria, conseguir resolver o problema da dívida, não apenas pública, mas a dívida corporativa que aumentou muito… Eu acho que primeiro é preciso mandar uma mensagem: o Brasil continua exatamente onde estava. Isso pode ajudar. Houve uma reversão de imagem muito acelerada, que tem a ver com a imagem que nós fizemos de nós mesmos. Veja o que passamos para o mundo na Olimpíada. Todo mundo dizendo que ia ser uma tragédia. Eu sempre lembrava que nós estamos acostumados a organizar um Carnaval por ano.

Na realidade, são vários carnavais, espalhados pelo país.
É o maior fenômeno logístico que eu conheço. A infraestrutura já estava relativamente pronta. Passou-se uma imagem de que o Brasil é incompetente. É incompetente para organizar coisas, fazer negócios, para competir… O primeiro passo é ter um mínimo de estabilidade institucional. Em segundo lugar, é preciso investir numa mudança de imagem com urgência. E em terceiro lugar é preciso se aproveitar as oportunidades que surgem para atrair investidores produtivos nacionais e estrangeiros. Uma vez que se determine uma visão de longo prazo para a respeito de onde você quer ir, a nível federal, estadual e municipal, isso vai se reverter em negócios.

Para onde deve apontar a visão de longo prazo do Brasil?
Eu tenho falado muito a respeito de infraestrutura sustentável. Por quê? Com toda a discussão a respeito das mudanças climáticas e a desigualdade, existe um interesse no exterior muito grande em fazer chegar investimentos em países como o Brasil, que são cruciais, que sejam estruturadores, inclusivos e ambientalmente sustentáveis. Se os governos estaduais transformassem isso em uma janela para a atração de investimentos, o ambiente de oportunidades que se abriria seria enorme. A Bahia, por exemplo, poderia se colocar para o mundo como um estado que ajudaria a reduzir o problema das mudanças climáticas, com investimentos verdes. A Bahia tem tudo para isso. Tem o maior potencial eólico do Nordeste, uma diversidade ambiental enorme, pode investir em agricultura sustentável e tem centros urbanos que podem ser reestruturados para se tornar mais ambientalmente responsáveis. Tudo é uma questão de longo prazo, narrativa e a maneira de se colocar para o mundo. O Brasil e a Bahia são fáceis de vender. Há países que não têm água, não têm solo, população com baixo nível de educação, não têm mar…

O que é infraestrutura sustentável?
É toda a infraestrutura de baixa emissão de carbono, ou que reduza as emissões. Tem a ver com transportes menos poluentes, com cidades mais eficientes do ponto de vista energético, com energia renovável, agricultura sustentável. Pense em infraestrutura de modo geral, infraestrutura está no centro de tudo, e direcione os investimentos nessa área para a sustentabilidade. Para dar produtividade e ser competitivo é necessário melhorar a infraestrutura. Até a infraestrutura voltada para a capacitação entra nessa discussão. O que muda é que você tem que ter investimentos em tecnologias distintas para transformar o sistema de transporte urbano em um sistema não contaminante. Você pode transportar as pessoas a partir de ônibus a diesel, ou pelo sistema que o Rio implementou, sob trilhos. Passa também pela discussão do saneamento. Sem saneamento adequado, não só a qualidade de vida é pior, como você polui mais. Tudo o que envolve redução de emissões e manutenção da natureza é sustentável. Internacionalmente, as Nações Unidas (ONU) definiram os objetivos do desenvolvimento sustentável com duas pernas: sustentabilidade ambiental e inclusão econômica e social. A ideia é que um país só pode ser sustentável se ele tratar bem o seu meio ambiente e o seu povo. O Brasil é chave para alcançar esses objetivos mundiais. É por isso que eu digo que há uma convergência de interesses entre o desejo de ganhar dinheiro e paixões para estimular esse tipo de investimento. Precisamos dizer para o mundo que o Brasil pode ajudar a resolver a bagunça que fizeram no planeta. Olha a nossa água, temos metade da Amazônia, olha nossos centros urbanos, nossa luta de integração econômica e social. Se o Brasil  conseguir apresentar um projeto de longo prazo em que isso fosse um dos pilares, iria atrair muita boa vontade, que é a paixão, mas também muitos investimentos. Todo mundo quer isso. Esse tipo de projetos está entrando em mandatos públicos – os chineses criaram dois bancos de desenvolvimento enormes –, mas grandes empresas internacionais colocaram a sustentabilidade como objetivo.

Uma discussão muito comum quando se fala em infraestrutura é em relação ao papel do poder público e o da iniciativa privada. Qual é o melhor modelo em relação a isso?
Eu sou muito pragmático. O fato é que toda a infraestrutura do mundo foi criada a partir de investimento público. Isso é um problema, um desafio que a gente tem porque se formos olhar a realidade do Brasil, o investimento público despencou. Se o setor público tivesse total capacidade de investir nessa área, sem dúvida eu diria que o ideal é o investimento público. O problema é que o país precisa destes investimentos, precisa continuar investindo em educação, etc. Então, já que as restrições existem, temos que buscar os recursos para atrair capital privado. Eu acho que as PPPs (parcerias público-privadas) não foram exitosas. No Brasil se vendeu muito isso e não deu em nada.  Mas existem outras formas de instituições públicas atrair capital para complementar projetos de investimentos. O primeiro passo é colocar isso como algo estratégico. Por exemplo, se o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) amanhã definir que o mandato principal dele é sustentabilidade e inclusão social, infraestrutura que melhore os indicadores ambientais e inclusão econômico-social. O BNDES tem capacidade de gerar novos instrumentos, de fazer ligação entre demanda final e investidores finais.

Por que as PPPs não deram certo no Brasil?
As experiências de PPPs no mundo não são tão exitosas como a gente gostaria de acreditar. O modelo é complexo e no Brasil se tornou ainda mais complexo por conta de situações estranhas, como o custo de capital, que é extremamente alto. Se não conseguirmos reduzir rapidamente as taxas de juros e o custo de capital é muito difícil que alguém faça um investimento de longo prazo. Quem paga as tarifas são os usuários. Ou reduz muito o custo de financiamento, ou coloca tarifas significativas. PPP não é uma solução para os problemas no mundo e particularmente no Brasil, com o custo de capital e a incerteza em relação a quem paga esse custo, é mais difícil ainda.

Nós vivemos um cenário de guerra fiscal no Brasil entre os estados para a atração de investimentos. Qual a melhor estratégia?
A política de atração de investimentos passa pela resposta a uma pergunta: qual é o papel que um determinado país ou estado quer exercer no futuro? O processo é relativamente simples, olhe a curva de demanda por energia que o Brasil tem. Investimentos nessa área têm tudo para dar retorno garantido só pelo crescimento da população. As coisas funcionam no Brasil? Funcionam. Não é uma Noruega, mas não é um país de terceira categoria.

A atuação do BNDES foi bastante criticada recentemente. Qual seria o melhor caminho para o banco no futuro?
Eu fiz um estudo com seis pessoas olhando bancos de financiamento de infraestrutura sustentável. O que é interessante? O banco entra, financia e constrói um determinado mercado. Feito isso, o banco sai. O BNDES é o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo. Ele atua com um corpo técnico competente, procedimentos bem estruturados, tecnicamente bem definido. Mas a característica do BNDES é externa ao banco. É que temos um mercado de crédito estranho que o BNDES entra com taxas próximas à realidade e nunca mais consegue sair. No dia em que o banco financia um setor, ele nunca mais consegue se desvincular deste setor porque oferece taxas civilizadas em um país onde os juros não são civilizados. O banco foi recebendo tantas missões que em determinado momento chegou a 49 linhas estratégicas. Se tem 49, na realidade não tem nenhuma. Todas essas áreas são válidas, mas se quiser influenciar a dinâmica da economia precisa  focar numa determinada área e fazer uma aposta forte. Eu faria o quê? Dentro de três ou quatro prioridades, uma seria a infraestrutura sustentável.

Por quê?
Porque traz infraestrutura, tecnologia, bons empregos e crescimento, sem gerar problemas de balança de pagamento. O Brasil tem uma experiência linda na área de energia renovável. Todo mundo criticou a política de conteúdo local do BNDES, mas ela formou uma cadeia de produção de eólica, que permite, inclusive, inserir uma descentralização de desenvolvimento que não acontecia antigamente. Hoje, você pode descentralizar a produção de energia.

Rogério Studart  É membro do Global Federation of Competitiveness Councils, em Washington, e atuou como diretor-executivo do Banco Mundial e diretor do BID. Ele coordenou, com a Boston University, uma força-tarefa internacional sobre o papel dos bancos de desenvolvimento na atração de recursos públicos e privados no financiamento de infraestrutura sustentável. Doutor em Economia pela Universidade de Londres, Inglaterra, o brasileiro Rogério Studart foi diretor-executivo do Grupo Banco Mundial (2007-14) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (2004-07), representando Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago.

*Correio

 



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