Laina Crisóstomo
A atuação das advogadas não se restringe a área da violência, e também se estende para a área de Família, por ser um desdobramento de ações de violência. “É a mesma coisa, são fruto de uma dissolução de uma união que não deu certo”, diz Laina. “No geral, achamos que só fossemos receber casos de violência física. Não achamos que fossemos receber denúncias de violência psicológica, porque é difícil de provar, mas temos recebidos histórias absurdas de violência, de violência pesada, como cárcere privada, tortura, estupro. Recebemos situações que não acreditamos. E nos questionamos se ainda realmente existe esse tipo de coisa”, diz Laina. Ela diz ainda que os casos assustam ainda mais por saberem que a rede de enfrentamento da violência contra mulher não tem funcionado. “O Ministério Público, através do Gedem [Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher], tem atuação limitada e só pode requere prisão se houver descumprimento da medida protetiva e nada mais, não pode acompanhar em audiência, em processo, por exemplo”, explica Laina. O grupo oferece assistência para que as mulheres possam fazer a denúncia em delegacias da mulher acompanhadas e não se intimidem. “É muito diferente o tratamento de uma mulher na delegacia quando ela vai sozinha e quando vai com uma advogada”, afirma Carolina Rola. No caso de mulheres que moram em outros estados, o grupo tem orientado sobre quais órgãos procurar e tem levantando um cadastro de advogadas voluntárias para que as acompanhem.
Carolina Rola
Advocacia pro bono
O quarteto ressalva que a atuação é totalmente gratuita e não se configura como exercício ilegal da profissão, e nem tampouco como capitação ilícita de clientes. “A nossa perspectiva é ajuda as mulheres. Eu sempre atuei na advocacia social, para terreiros de candomblé, comunidades quilombolas, mas sempre trabalhei para uma organização que me pagava para isso. Até um tempo atrás, a OAB não permitia a advocacia pro bono, isso era considerado exercício ilegal da profissão. Era como se fosse um crime atuar gratuitamente. Mas hoje, já tem no Estatuto da Advocacia a possibilidade da atuação pro bono”, esclarece Laina. O grupo, inclusive, já foi denunciado na Comissão de Ética de São Paulo por prática ilegal da profissão, mas conseguiram comprovar que não há irregularidade na atuação delas. “É muito doloroso perceber que tem pessoas que não conseguem entender a proporção de fazer o bem. Printaram o meu post, mandaram para a Comissão de Ética da OAB. Mas eu não estava tentando captar clientes, eu estava disponibilizando meus serviços de forma gratuita para mulheres que não podem pagar. Fizemos questão de colocar na página que nosso serviço é pro bono, como prevê o Estatuto da Ordem”, ressalva. Até questionamentos de advogadas da Bahia, elas receberam questionamentos de que “que tipo de gratuidade” o grupo presta. “A gente não recebe nada, a gente gasta com transporte, alimentação. Mas nós temos nossas causas particulares que nos garante o sustento. Mas temos atuado de forma totalmente gratuita. Infelizmente, nessa perspectiva de atender mulheres, outras mulheres têm nos agredido e isso é muito triste”, lamenta a idealizadora do #TamoJuntas.
Natasha Barreto
Como denunciar
A advogada Aline Nascimento afirma que o primeiro passo é a mulher perceber que ela está passando por uma situação de violência. “Algumas não percebem ou não querem acreditar que estão passando por uma situação de violência. O primeiro passo é esse: ela perceber que é agredida não apenas de forma física, mas psicologicamente também. Depois é procurar uma delegacia especializada, uma assessoria jurídica. Quando nos procuram, damos entrada na queixa-crime, em pedido de guarda, separação”, esclarece. Laina Crisóstomo afirma que muitas mulheres não denunciam por ter certeza da impunidade do agressor e por conta da solidão. “A primeira coisa que o agressor faz é afastar a vítima de todas as pessoas. Ela não tem amigos, muitas saem do ambiente de trabalho, cortam vínculos familiares. Existe uma grande dificuldade dessas mulheres falarem, porque não tem uma rede de confiança, não tem pessoas perto para falar”, assevera. Depois que a queixa é feita na Delegacia da Mulher, é marcado um dia para confirmação da agressão. Segundo Carolina Rola, é ai que está o grande entrave, da morosidade até que uma mulher consiga a medida protetiva. “Muitas precisam da medida protetiva e a gente encontra essa barreira. Temos um caso de uma mulher que o agressor ainda está na casa dela, eles estão separados, mas ele não quer deixar a casa. Ela precisa dessa medida protetiva. O homem faz ameaça a ela e aos filhos. Ela dorme trancada com os filhos dentro de casa. Só que não conseguimos a medida, porque existe o rito do processo”, sinaliza. Natasha Barreto completa que, às vezes, o próprio juiz não decreta a medida protetiva”. Pelo rito, após a queixa na Deam, se for necessário, é feito o corpo delito, e posteriormente, marcam a confirmação para três meses depois. “É nesse espaço de tempo que muitas mulheres são assassinadas por terem prestado queixa contra o agressor. O ideal seria que tudo isso acontecesse em 30 dias, e que o Gedem recebesse isso e, imediatamente, denunciasse o agressor. Quando é feito a denúncia formal, vai para a Vara da Violência Doméstica, que geralmente anda rápido. O entendimento da vara é do atendimento totalmente voltado para mulher. Essa vara é um espaço onde a mulher tem a palavra e se o homem disser que é mentira, ele que prove. Tudo que ela fala é real. Mas tem um empecilho muito grande. Depois disso, tem a medida protetiva. Mas o julgamento da parte familiar é feito em qualquer vara. Tivemos caso de um juiz que não respeitou a medida protetiva e não cedeu espaço para mulher ficar distante 500 metros do réu. Expliquei para o juiz que, para ela, olhar para o agressor, era uma situação de medo. E ela teve que ficar no mesmo lugar que ele, por não haver esse espaço reservado, e o juiz considerou que era ‘excesso da Justiça’. Ainda há juiz que pergunta se tem conciliação”, conta Laina. Nesse caso, ela diz que o ideal seria a criação de varas de família destinada para casos de violência, com espaços reservados para mulher com medida protetiva. Para a representante do #TamoJuntas, o mais doloroso é ver “mulher advogada defendendo agressor”.
Aline Nascimento
Articulação
O grupo quer aumentar o número de advogadas voluntárias e também pedem que psicólogas e assistentes sociais se juntem ao grupo, pois a necessidade de uma mulher em situação de violência é múltipla. O #TamoJuntas também tem estreitado relacionamento com Gedem, pois os promotores podem requerer da Delegacia o andamento do processo para requerer medidas protetivas para a mulher em caso de demora. Já com a Defensoria Pública da Bahia, que tem atuação na área, o #TamoJuntas diz que a aproximação é feita através da Ouvidoria, na pessoa de Vilma Reis. As advogadas dizem que se deparam com alguns defensores e defensoras machistas, que, muitas vezes, ficam ao lado do agressor, e não requerem a prisão do acusado quando descumprem as medidas protetivas. O grupo foi criado há pouco mais de um mês, e se tornou conhecido após o estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro. Para elas, o caso reacendeu o debate sobre a cultura de estupro no país e que ainda há uma forte tendência em culpar a vítima. Também são apresentados argumentos de que as denúncias são motivadas por vingança, revanchismo, e os acusados dizem que as vítimas são “loucas”. “Muitas de nós sofremos assédio, muitas de nós estivemos em relacionamentos abusivos, e muitas de nós nunca tivemos coragem de denunciar. E tem muitas mulheres na página querendo pedir desculpa a Beatriz por não ter denunciado suas agressões antes”, alenta Laina, que ainda complementa que, a dor da adolescente, fortaleceu a luta contra a violência contra a mulher. “A dor dela nos fortaleceu para entender que a luta é diária, que não dá para descansar, se conformar porque tem a Secretaria de Política para Mulheres (SPM), que tem políticas públicas, Lei Maria da Penha, medidas protetivas. Não dá para sentar e se conformar. Mas esse caso também reacendeu o ódio, com as justificativas de estupro”, salienta. “O assédio a mulher é diário, de nos fazer pensar sempre na roupa vamos vestir”, diz Carolina. Já Aline critica o aumento da pena para estupradores. “Não adianta aumentar a pena, porque o juiz continuará sendo machista, o promotor continuará sendo machista e o delegado também”. O grupo defende que toda a rede de enfrentamento seja fortalecida, e que as pessoas envolvidas sejam treinadas, tais como os policiais, delegados, juízes e promotores.
(Bahia Notícias)