Edgard Abbehusen: “Me libera, nega” é mais que uma música. É um recado ao Estado sobre como reverter a violência

MC-BeijinhoJá quero começar avisando aos raivosos que esse texto não pretende criar juízo de valor sobre a ação, música ou comportamento alheio. Quero compartilhar, apenas, uma reflexão que fiz sobre toda essa repercussão em torno de uma música que ganhou as paradas de sucesso no Brasil de dentro de um camburão da polícia.

Vi a reportagem e as piadas ainda na primeira semana do “Me libera, nega”. Ítalo Gonçalves, jovem, negro e da periferia de Salvador, preso por furto de celular. Cantou, no camburão, versos que lhe levaria das grades da delegacia para o páreo das concorrentes para a música do carnaval baiano de 2017.

Segundo alguns especialistas, “Me libera, nega” se aproxima da música clássica. Diversas opiniões acerca da melodia apontam para uma riqueza escondida na voz caricata do, agora famoso, Mc Beijinho. Música erudita, dizem. Caetano Veloso, inclusive, “já caetanizou” e cantou, em voz e violão, no palco da Concha Acústica. Não posso afirmar o que seja. Se é ruim, ou se é boa. O juízo de valor não é saudável em uma terra tão miscigenada como a Bahia.

Várias são as simbologias escondidas nessa ascensão do negro/pobre/ladrão que foi preso pela polícia e que, segundo depoimento do próprio Mc Beijinho, a própria polícia ‘convocou’ a imprensa sensacionalista para fazer a cobertura.

O que nem polícia, nem imprensa, contavam é que a estrela do negro pobre brilharia e aquela não seria mais uma matéria tosca sobre a espetacularização da violência. Mas, um recado, modesto e ‘sem querer, querendo’, ao poder público da Bahia e, também, do Brasil.

A música tirou aquele jovem do crime. Digam o que quiser sobre a qualidade da canção. Chamem de erudita, de porcaria. Afinal, opinião é aquilo que a gente emite, muitas vezes, sem ninguém perguntar.

Porém, é importante ressaltar ao que está intrínseco: Arte, música, lazer… Tudo isso junto transforma. Educação transforma. A polícia cumpre o seu papel da forma precária que o Estado a obriga a cumprir.

Talvez, quando dizemos que a polícia mata, a força do dedo no gatilho esteja mais eloquente nas mãos do Estado (como um todo) do que na mão do policial (como pessoa única, pai de família, trabalhador) que sai de casa, em sua grande maioria, para defender a sociedade de uma crise causada pela corrupção dos bandidos de paletó e gravata.

O medo e a insegurança nos tira do foco de cobrar mais. De exigir mais. E, como uma manada de gente desesperada, exigimos que ‘bandido bom, é bandido morto’, enquanto somos assaltados e extorquidos por um sistema político repleto de bandidos que promove o caos, a pobreza e a miséria. E, quase sempre, votamos neles.

“Me libera, Nega” pode ganhar como a música de carnaval 2017. Do pouco que sei, entendo que o axé se perdeu já tem um tempo do seu próprio espaço. Então, pouco importa se essa música é boa, erudita ou muito ruim. Pra mim, o que importa é que a mensagem daquele menino que nasceu e cresceu na realidade triste de uma cidade tão desigual como Salvador, possa ser ouvida:

Que a gente se libere do preconceito. E ouça, com atenção, o que está além dessa canção.
A mensagem é forte. Dificil. Complexa. Mas, está aí.

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