Alteração na Lei Maria da Penha que dá poderes a delegados é criticada por ativistas

“As últimas alterações na Lei Maria da Penha não têm ouvido as pessoas que a utilizam e que precisam da lei todos os dias, para sobreviver, para garantir seu direito de ir e vir”, afirma a presidente da ONG TamoJuntas, Laina Crisóstomo diante do questionamento do Bahia Notícias sobre as últimas mudanças na lei, que dá, sobretudo, poderes para delegados e delegadas decretarem medidas protetivas. A aprovação do Projeto de Lei Complementar 07/2016, ocorrida em uma data simbólica, Dia Nacional Contra a Violência à Mulher – dia 10 de outubro -, era para ser uma comemoração, se o parlamento brasileiro ouvisse os movimentos sociais feministas. Segundo ativistas e especialistas da área do Direito, além de não ouvir a sociedade, o texto contém traços de inconstitucionalidades e, caso seja sancionado pelo presidente Michel Temer como disposto, poderá ser alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, editada para dar uma suposta celeridade e garantia as mulheres violentadas, não tem amparo na Constituição Federal. Isso porque, só cabe ao juiz decretar tais medidas. De acordo com a advogada criminalista Camila Hernandes, a Constituição Federal estabelece que esses tipos de medidas só podem ser proferidos por autoridade judicial. Ela lembra que o delegado tem poder de representar, de investigar e colher os elementos daquele fato para se apresentar à Justiça. “O texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça, mas isso não impede que ele seja alvos de ações que questionem sua constitucionalidade. O delegado não tem poder para decretar medidas preventivas, ele só tem o poder de efetuar a prisão em casos de flagrantes e representar o pedido de preventiva. O foco deveria ser em investimentos em infraestrutura”, afirma. A advogada lembra que o estado da Bahia, com mais de 400 municípios, tem apenas 14 unidades da Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (Deam). “A gente tem uma realidade de estrutura precária para atender as mulheres e o foco não está sendo esse, de investimento nessa estrutura”, reforça. Na prática, ela diz que a medida poderá ser decretada por um delegado que não tem um treinamento específico para essa atuação. “Eu acho que esse é mais um reflexo de que a gente tem um Legislativo que nem sempre compreende as soluções aos problemas relacionados ao sistema criminal com edição de leis que venham a recrudescer o sistema, atingir de forma mais severa as pessoas que são acusadas de algum tipo de crime”, avalia, complementado que não se pode perder de vista o grave problema social que é a violência contra mulher.

Laina Crisóstomo | Foto: Divulgação

Camila também questiona a aplicação e efetividade da alteração na lei diante da estrutura atual das delegacias, como em Salvador. “A mulher vítima de violência dificilmente é ouvida no momento da agressão pela autoridade policial. Ela vai prestar queixa na delegacia para um agente policial e ela tem que marcar uma data para retornar para ser ouvida pela delegada ou pelo delegado. Na prática, ela não receberia esse atendimento automático”, conta. A mesma avaliação é feita pela líder da ONG, que só advoga para mulheres vítimas de violência de forma gratuita. “Dentro da rede de atendimento para a mulher, a gente sabe que nada funciona muito bem. O próprio Judiciário não funciona bem, o Ministério Público, a Defensoria, a delegacia. Mas não é assim que a gente vai resolver. Isso não vai caracterizar facilidade ou qualquer tipo de garantia de urgência. A maioria dos casos que a gente recebe é de mulheres que não conseguem nem prestar queixa”, informa. Ela também concorda que a luta deveria ser sobre estrutura das Deams e diz que o foco deve ser pelo funcionamento das unidades 24 horas por dia, em todo país, instalação de uma unidade em todas as cidades, e criação das chamadas “Casas da Mulher Brasileira”, que são espaços de não revitimização das mulheres vítimas de violência. Laina ainda crítica mais. “Se na Bahia, no primeiro semestre, a gente não conseguiu ter números de feminicídio porque as delegacias especializadas que atuam com homicídio não sabem caracterizar feminicídio, como a gente vai garantir que as delegacias, tanto Deams quanto delegacias comuns, possam entender as questões de gênero?”, questiona. “Mulheres que são vítimas de violência psicológica, por exemplo, você acha que elas conseguirão medidas protetivas nos interiores onde não há fiscalização, menos movimentos sociais de mulheres. Infelizmente, estamos fadados a um erro muito grande. É muito perigoso fazer uma mudança dessas para dar ao delegado de polícia um poder que não está na lei. O que cabe ao policial é dar um atendimento humanizado, diferenciado e com processo informativo que deve ser dado pelo Estado. Isso não acontece”, pondera.

*BN



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