TJ-BA suspende acordo milionário do ‘Madre Verão’; caso envolve filho de desembargadora

 

O desembargador Mário Albiani, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) determinou o bloqueio de R$ 936 mil da empresa Corlilaz Produções Artísticas e de seus sócios, além do desbloqueio de mais de R$ 1 milhão das contas do Município de Madre de Deus que seriam utilizados para pagar a empresa por conta do uso irregular do nome “Madre Verão” entre os anos de 2011 e 2016. O pedido foi feito pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) diante de indícios de irregularidades envolvendo o Escritório Ramos e Barata Advogados Associados, e o advogado Rui Barata, filho da desembargadora Lígia Ramos.

Os valores seriam pagos através de um acordo extrajudicial de mais de R$ 4 milhões homologado pelo juiz Ruy Eduardo Almeida Britto, da 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador. Segundo o MP, a transação teve por objetivo acordar duas condenações impostas em sentenças proferidas pela 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador entre o Município de Madre de Deus e a empresa CorLilaz pela utilização indevida da marca “Madre Verão” por parte da municipalidade entre 2011 e 2016.


Foto: Divulgação

De acordo com o MP, apesar da sentença ter sido ilíquida, em nenhuma delas se observou o artigo 496 do Código de Processo Civil que impõe a remessa dos autos para reexame necessário, e que o Município de Madre de Deus reconheceu que não houve autorização legislativa justificável e plausível para viabilizar o acordo. O órgão ministerial disse que a negociação em nada teria beneficiado a municipalidade, sendo que ainda não havia certeza de uma condenação por sentença, demonstrando que houve uma atitude precipitada do gestor municipal em processo não transitado em julgado.

O MP indica que o juiz Ruy Eduardo deu início ao cumprimento da sentença, pois o Município não pagou as parcelas do acordo por ausência de disponibilidade orçamentária. O acordo foi firmado em outubro de 2019, mas neste ano, depositou em juízo duas parcelas referentes a transação, de aproximadamente R$ 400,6 mil. O juiz teria expedido alvará para levantamento dos valores já depositados em conta judicial. Diante do levantamento desse alvará, foi sinalizado a possível existência de irregularidades na transação e danos ao erário por não haver trânsito em julgado.

Ainda com essas possíveis irregularidades, o juiz expediu o alvará para levantamento dos valores depositados em conta judicial e determinou a penhora de R$ 1,04 milhão das contas da prefeitura. O valor foi transferido para uma conta judicial. Desta forma, pontua o MP que a sentença foi executada sem ter transitado em julgado.

IRREGULARIDADES DO ACORDO 

No pedido, o Ministério Público pontua que o acordo foi assinado pelo prefeito Jeferson Andrade com assistência do procurador do Município Alexinaldo Alvino de Souza e por Adriano de Souza Santos, representante da empresa Corlilaz Produções Artísticas, com assessoria jurídica do advogado Rui Barata Filho. O problema deste acordo está no fato do procurador do Município pertencer ao mesmo escritório de Rui Barata – o Ramos e Barata Advogados Associados, e que Rui Barata já foi procurador do Município de Madre de Deus, atuando no processo de 2014, que discutia o uso da marca “Madre Verão”, abarcado no acordo. O Bahia Notícias checou que os dois já atuaram em conjunto em processos judiciais. A ação aponta que a Corlilaz é uma empresa fantasma “sem qualquer faturamento desde o ano de 2015, além de não possuir conta bancária e estar cancelada junto a Juceb”.


Ex-juiz eleitoral  e advogado Rui Barata atuou no acordo | Foto: Divulgação

O MP alertou que os recursos bloqueados poderiam ser “levantados a qualquer momento, visto que o juízo piso não observa as regras processais relativas à execução das condenações importas às Fazenda Pública”. Em caráter liminar, o MP pediu que todos os atos sejam declarados nulos após a sentença homologatória da transação e determinar o bloqueio das contas da Corlilaz Produções, assim como dos sócios Antônio Alves dos Santos Neto e Cristiano Marcus Alves, no valor de R$ 936,4 mil, relativos aos depósitos judiciais indevidamente levantados.

Na decisão, o desembargador destaca que a ação surgiu pelo uso indevido da marca “Madre Verão”, e que, por isso, o Município deveria pagar 20% de todos os custos suportados pela Administração na realização de cada evento, com acréscimo de juros, desde a data do ilícito. No acordo firmado entre as partes, ficou definido que seria pago R$ 5,06 milhões, com pagamento de R$ 506 mil a título de honorários sucumbenciais. Para quitar o débito, haveria um desconto de R$ 1,6 milhões. O Município deveria pagar, pelos termos do acordo, R$ 4,06 milhões da seguinte forma: R$ 2,7 milhões diretamente a empresa Corlilaz Produções; R$ 350 mil pagos diretamente ao Escritório de Advocacia Ramos e Barata Advogados Associados, referente aos honorários contratuais da empresa; R$ 400 mil pagos diretamente ao Escritório de Advocacia referente a débitos pretéritos; R$ 506,5 mil referentes a honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em 10% sobre a condenação nos dois processos, pagos diretamente ao Ramos e Barata Advogados Associados. No acordo homologado pelo juiz Ruy Eduardo Almeida Britto, da 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, é dito que as partes são “maiores, capazes” e que estavam “regularmente representadas por advogados”. A partir do termo, o juiz extinguiu ação.

“Este breve escorço histórico serve para demonstrar, num juízo de prelibação, que o magistrado singular, mesmo tendo reconhecido a necessidade de reexame necessário na sentença que condenou o Município ao pagamento de indenização pelo suposto uso indevido da marca ‘Madre Verão’, após a celebração de acordo pelas partes, tendo elas renunciado ao prazo recursal, autorizou o início da fase de cumprimento de sentença”, relata o desembargador Mario Albiani. O relator destaca que, entretanto, a sentença homologatória de transação está sujeita a reexame necessário, por extinguir o processo com resolução de mérito, e equivale a uma condenação do município.

Segundo o desembargador, a efetivação de acordo judicial ou extrajudicial, ainda que mais conveniente ao erário, “é impraticável sem a existência de norma legal autorizativa”.  “Na Administração Pública, não há espaço para liberdades e vontades particulares, razão pela qual deve o agente público sempre agir com a finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo aquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei define até onde o administrador público poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir”, reforça o Mario Albiani. O desembargador também destaca que o juiz da 6ª Vara da Fazenda pública determinou o bloqueio das contas do Município em R$ 1,04 milhões, “na iminência de ser liberado à empresa” no momento em que o país enfrenta a crise da pandemia do coronavírus, “com impacto direto na economia, prejudicando a arrecadação dos entes públicos, sendo que os recursos existentes devem ser prioritariamente alocados no combate à referida doença, tendo em vista o reconhecimento da situação de emergência em saúde pública no território nacional”.

Por tais razões, o desembargador determinou o desbloqueio dos valores em favor do Município, ainda mais diante da informação que a empresa é fantasma, sem movimentação financeira e estar cancelada na Juceb. Albiani Júnior ainda considera que a empresa não tem patrimônio para garantir a devolução dos valores que já foram levantados.  Por isso, decretou a indisponibilidade do patrimônio da empresa e dos sócios. O desembargador também suspendeu todos os atos processuais praticados após a sentença homologatória do acordo, proibindo a liberação de qualquer valor no curso do processo.

*BN



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