‘Consagra o princípio da liberdade’, diz ministro da Educação sobre ensino religioso nas escolas

Ministro da Educação, Mendonça Filho (Foto: Juliana Almirante/G1)

O ministro da Educação José Mendonça Bezerra Filho classificou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que permite promoção de crenças no ensino religioso em escolas públicas, como uma “consagração da liberdade”. O ministro comentou o assunto durante evento que participa em Salvador, na manhã desta sexta-feira (29).

“[A decisão] Ela consagra o princípio da liberdade. Não há obrigação para os alunos terem aula de ensino religioso nas escolas públicas e, ao mesmo tempo, não há proibição. Então, é uma consagração da liberdade, que está previsto na Constituição federal”, afirmou.

Na quarta-feira (27), o STF decidiu permitir que professores de ensino religioso em escolas públicas promovam suas crenças em sala de aula. No julgamento, iniciado em agosto e finalizado na quarta, somaram-se 6 ministros, entre os 11 integrantes da Corte, favoráveis à possibilidade do modelo “confessional”. Nessa modalidade, os professores lecionam como representantes de uma religião, com liberdade para influenciar os alunos.

O ministro participa de evento na capital baiana ao lado do prefeito de Salvador, ACM Neto, e outras autoridades. O encontro marca a assinatura de termo de compromisso para construção de creches na cidade e autorização de funcionamento da faculdade AGEs de medicina no município de Jacobina, no interior da Bahia.

No evento em Salvador, está presente também ministro baiano Antônio Imbassahy, da Secretaria de Governo.

Enem

Na chegada ao hotel onde ocorre o evento em Salvador, o ministro também abordou as mudanças anunciadas para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano.

“Primeiro, autorizamos a realização do Enem em dois dias [dois domingos], o que não ocorria em edições anteriores, o que vai dar conforto aos jovens. Ao mesmo tempo, valorizamos a questão dos sabatistas que ficavam confinados. Além disso, a redacão será aplicada na primeira prova, algo visto como positivo pelos jovens”, afirmou.

O ministro ainda destacou as novidades para segurança do exame. “A gente conseguiu aprimorar requisitos como a identificação individual de cada prova, com relação a cada estudante que se submete ao Enem em 2017. E, finalmente, equipamentos que estarão disponíveis para a gente combater tentativas de fraude na prova”, disse.

Entenda o julgamento do STF

A Constituição Federal prevê o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras como disciplina do ensino fundamental (para alunos de 9 a 14 anos de idade), mas estabelece que a matrícula é facultativa. Ou seja, o estudante pode se recusar a cursar a disciplina por vontade própria ou da família, sem prejuízo nas notas ou frequência exigidas para ser aprovado.

Cada estado organiza a melhor maneira de oferecer o ensino religioso dentro de sua grade de horários. Parte dos estados faz parcerias com igrejas e instituições religiosas para contratar professores (remunerados ou não, dependendo da religião) para dar as aulas.

Outros estados optam pelo modelo não confessional, com professores não necessariamente representantes de uma religião.

A ação em julgamento, apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR), propunha que as aulas se limitassem à exposição das doutrinas, história, práticas e dimensões sociais das diferentes crenças, assim como do ateísmo e do agnosticismo – o chamado modelo “não-confessional”.

A PGR contestava a possibilidade de “catequese” ou “proselitismo” nas aulas. A maioria dos ministros, porém, entendeu que o caráter laico do Estado não significa que ele deve atuar contra as religiões, inclusive na esfera pública.

Com a decisão da Corte, continua permitido o ensino confessional, o não confessional e também o chamado interconfessional, com aulas sobre valores e práticas religiosas baseadas em características comuns das religiões.

Votos a favor da promoção de crenças

Primeiro a votar pela possibilidade de ensino confessional, o ministro Alexandre de Moraes argumentou que impedir a promoção de crenças contraria a liberdade de expressão dos professores.

Para ele, a adoção do modelo oposto levaria o Estado a definir o conteúdo da disciplina, criando assim uma “religião estatal”.

“O ministro da Educação baixaria uma portaria com os dogmas a serem ensinados, em total desrespeito à liberdade religiosa. O Estado deve ser neutro, não pode escolher da religião A, B ou C, o que achar melhor, e dar sua posição, oferecendo ensino religioso estatal, com uma nova religião estatal confessional”, disse.

Moraes ressaltou que as aulas são facultativas. Ele argumentou que somente representantes das religiões, que defendem sua fé, teriam o domínio suficiente dos preceitos para ensiná-los.

“Nós não contratamos professor de matemática se queremos aprender física. Não contratamos professor de educação física para dar aulas de português. Quem ensina religião, os dogmas, são aqueles que acreditam na própria fé e naqueles dogmas. Ora, um exército de professores que lecionam preceitos religiosos, alguns contraditórios escolhidos pelo Estado, não configuram ensino religioso”, assinalou.

Ao seguir Moraes, Edson Fachin argumentou que a democracia admite que a religião faça parte não só da vida privada, mas também da esfera pública da sociedade, contra a qual o Estado não pode nem deve atuar. “A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo”, afirmou.

Gilmar Mendes disse que a tentativa de implantar o modelo não-confessional é uma forma de fazer o Estado “tutelar” a religião, um “domínio do chamado politicamente correto”. Ele lembrou que a referência a Deus na própria Constituição não retira o caráter laico do Estado, e destacou que a religião cristã, por exemplo, faz parte da cultura da sociedade brasileira.

Dias Toffoli, por sua vez, disse não haver uma “separação estanque” entre Estado e religião, citando vários trechos da Constituição que não só impedem o poder público de embaraçar o exercício da fé, como também promovem a liberdade de culto – em escolas e nos quartéis militares, por exemplo.

Última a votar no julgamento, Cármen Lúcia também destacou o caráter facultativo da disciplina. “Não fosse com conteúdo específico de alguma religião ou de várias religiões, não vejo por que seria facultativa essa disciplina. Se fosse história das religiões ou filosofia, isso se tem como matéria que pode perfeitamente e é oferecida no ensino público”, afirmou.

Votos contra a promoção de crenças

Primeiro a votar no julgamento, em agosto, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, se posicionou pelo veto à admissão de professores “na qualidade de representantes de confissões religiosas” – como padres, pastores, rabinos ou pais-de-santo, por exemplo.

“As escolas privadas podem estar ligadas a qualquer confissão religiosa, o que igualmente é legítimo. Mas não a escola pública. A escola pública fala para o filho de todos, e não para os filhos dos católicos, dos judeus, dos protestantes”, afirmou.

Rosa Weber acompanhou Barroso, sob o argumento da “neutralidade” do Estado. “Religião e fé dizem respeito ao domínio privado, e não público. Neutro há de ser o Estado”, disse.

Luiz Fux, por sua vez, sustentou que seria impossível ao governo contratar professores de cada uma das 140 religiões catalogadas no Brasil.

“Qual será a autodeterminação religiosa de uma criança que estuda desde sua primeira infância num colégio doutrinada para uma determinada religião, sendo certo que é absolutamente impossível o Estado contratar professores para 140 religiões hoje consagradas pelos órgãos federais?”, questionou.

Marco Aurélio Mello também considerou inviável às escolas públicas brasileiras, em situação precária, oferecerem ensino confessional de todas as crenças, considerando a ampla diversidade religiosa no país.

“É razoável supor que as escolas, ante a dificuldade de abranger integralmente o espectro de religiões, limitem-se a disponibilizar turmas referentes às crenças majoritárias. Ou mesmo aquelas com as quais a própria direção simpatize. O quadro impõe ao Supremo atuar em defesa do pluralismo religioso e do Estado laico”, disse.

Celso de Mello também defendeu neutralidade do Estado na matéria. “O estado laico não pode ter preferências de ordem confessional e não pode, portanto, interferir na esfera das escolhas religiosas. O Estado não tem nem pode ter interesses confessionais, ao Estado é indiferente o conteúdo das ideias religiosas que eventualmente venham a circular e a ser pregados por qualquer grupo confessional, mesmo porque não é lícito ao poder público interditá-las ou censurá-las”, afirmou.

*G1



Veja mais notícias no blogdovalente.com.br e siga o Blog no Google Notícia