Uma panela de pressão chamada Brasil, na crônica de Celso Rommel

panela_phixrDesde a adolescência que torço pelo Brasil muito mais do que para a Seleção Brasileira de Futebol. Afinal, no futebol já temos todos os títulos, não precisamos mais provar a ninguém que sabemos jogar bola, ou construir estádios. Nosso grande desafio deveria, já desde de muito tempo atrás, ter sido outro: fazer um país justo para todos, o único resultado possível para uma nação que almeja o básico, a exemplo de vizinhos como o Uruguai, Costa Rica, Chile e até a Colômbia.  Poderíamos ter sido como nas Bahamas ou, pelo menos tipo uma Trinidad & Tobago gigante, mas as coisas não foram pelo caminho certo.
Vivendo em meio ao mais escandaloso exemplo de desigualdade social do mundo, a lendária indigência brasileira suplanta a corrupção ( ou talvez seja a causa dela ) em grau de importância dentre as mazelas sociais que afilgem a Terra Brasilis.
Apesar da minha torcida, em Índice de Desenvolvimento Humano o país do futebol só tem levado goleada desde os anos oitenta, quando comecei a acompanhar os dados divulgados a respeito da terra natal. Nossos indicadores sociais são os piores da América Latina, só comparáveis a países africanos e isso também não inquieta mais ninguém; a letra da música de Cazuza também não nos deixa indignados, e as marchas contra a corrupção não tocam na raiz do problema, porque esta raiz carrega o tabu das reformas de base que chocam mais aos cafeicultores e industriais paulistas do que a própria efígie do Anticristo.
Enquanto isso, os habitantes do “lado bom do Brasil”, alguns milhões de pessoas que conseguem de maneira fantástica coexistir com a maioria semi africana como se esta estivesse em uma dimensão a parte; querem trocar de carro e viajar para a Disney.
Ainda que esteja, conforme a realidade fantástica dos brasileiros de primeiro mundo, confinada a uma espécie de limbo, a massa de brasileiros do mundo real segue crescendo em níveis exponenciais, segregada em guetos conhecidos como favelas – para alguns uma característica cultural do país, enquanto que, para os críticos, seguem como a demonstração clara de um sistema social falido.
Mais do que falido, lamento informar que o sistema “casa grande & senzala”, descrito por Gilberto Freyre em seu livro clássico ( e representado em HD pelo mapa da cidade símbolo da nação, o Rio de Janeiro )  ultrapassou o limite do mero apartheid colonial e hoje nos faz temer a ameaça latente de desordem institucional, guerra civil ou alguma coisa nova nessa linha, já que o Brasil tem sempre uma veia criativa, não só para inventar aviões mas também para lançar novos problemas desse tipo – haja vista os massacres nos presídios em Manaus e Roraima, quando corpos de seres humanos desmembrados foram empilhados às dezenas, atos de barbárie foram filmados e compartilhados em rede social com frieza que faria corar um terrorista do Estado Islâmico ou alegrar um genocida de Ruanda. Longe de serem atos isolados, esses massacres parecem refletir uma tendência, já que as facções em questão controlam grande parte das penitenciárias do país e, ainda que vivendo nas sombras todo esse tempo, estão em conflito ( a quem interessar possa, a guerra na Líbia começou nas penitenciárias…).
Com caixas eletrônicos explodidos semanalmente, alunos que não aprendem,  turistas estrangeiros sendo caçados nas ruas ( como se vivêssemos num proto-Iêmen ) organizações criminosas dominando cidades e até extendendo seu poder à zona rural, podemos claramente perceber que a linha fina que sustentava o esquema português herdado das capitanias hereditárias parece ter esgotado sua capacidade de auto manutenção.
O estado brasileiro, representado pela minoria branca acostumada a viver na bolha de plástico dos condomínios, escolas particulares e programação de TV desconectada da realidade, dá sinais de pânico, pois nenhuma medida policialesca poderia acalmar tamanho ruído ancestral. A prosseguir a desmoralização, em décadas os aparelhos representativos do estado brasileiro poderão estar submergidos no caos, diante da impossibilidade de se fazer de emergência as reformas que deveriam ter sido feitas nos anos noventa, quando isso ainda era possível.
Os religiosos rezam e as autoridades fazem discursos, enquanto a panela de pressão chia cada vez mais alto. O que nos leva a perguntar se a próxima geração ainda terá esse nosso conceito atual de Brasil, garota de Ipanema, essas coisas…
Celso Rommel


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