O vizinho me incomoda ou eu incomodo o vizinho? Um olhar sobre o direito de vizinhança – Por Aline Passos

Os direitos de vizinhança envolvem o respeito à propriedade e a necessidade de convivência social.  O proprietário ou possuidor de um imóvel, seja ele urbano ou rural, não pode exercer o seu direito de forma que venha a prejudicar a segurança, saúde e sossego dos que habitam o prédio (imóvel) vizinho. A segurança envolve solidez, estabilidade, firmeza. Já o sossego refere-se a um estado de tranquilidade e calmaria, e a saúde refere-se às funções biológicas, englobando a salubridade física ou psíquica.

Para o ministro Sidnei Beneti, da 3ª turma do STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.313.641 – RJ (2012/0032506-8), “a casa é, em princípio, lugar de sossego e descanso, se o seu dono assim o desejar“. Tratando sobre os direitos de vizinhança é muito corriqueiro acontecer infiltrações em apartamentos e problemas ocasionados por falhas construtivas. Nestes casos, o causador do dano deve reparar a infiltração ou a falha, além de ressarcir os prejuízos sofridos, inclusive pela quantia desembolsada, como por exemplo com a pintura. Trata-se de medida lógica amparada no princípio da reparação integral, que foi recepcionado pelo Código Civil Brasileiro em seu art. 944, devendo-se ponderar que os meros dissabores normais e próprios do convívio social”, não são suficientes para dar origem a danos morais indenizáveis, conforme entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Decorrente das infiltrações, uma outra situação bastante comum que envolve direitos de vizinhança são problemas com o escoamento de águas. A convivência com infiltrações e escoamento de água, por considerável período viola o direito à habitabilidade. Decorre dessas situações, muitas das vezes a origem de umidade intensa, ocasionando o mofo, que estraga não só coisas como também afeta a saúde, envolvendo  inclusive problemas respiratórios.

Desse modo, o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (art. 1.277 do CC) e obter reparação pelos danos que vier a sofrer, conforme preceitua os art. 186 e art. 927 do Código Civil.

A poluição sonora também é um problema que tem causado uma série de desconfortos e desavenças entre vizinhos. A poluição sonora degrada a qualidade ambiental, interfere no sossego, além de prejudicar a saúde, segurança e bem-estar da população (art. 3º, III, da Lei n. 6.938/81), isso seja em relação a funcionamento de bares, templos religiosos, comércios, entre outras atividades que venham a perturbar o silêncio e tranqüilidade local.

O funcionamento de bares muitas vezes provoca na vizinhança um desconforto, seja porque não possui tratamento acústico, seja pela execução de som ao vivo ou mecânico, além da movimentação e barulho na rua pelos frequentadores do local. Acrescenta-se que muita das vezes a segurança fica comprometida, dado o uso de bebidas alcoólicas. Nessas situações, é possível se estabelecer uma limitação de horário de funcionamento destes estabelecimentos.

Ressalte-se que se as interferências forem justificadas pelo interesse público, a atividade não pode ser paralisada, tendo em vista que o objetivo principal é o bem da coletividade, podendo daí se concluir que o exercício do direito de posse/ propriedade encontra suas limitações no interesse público e também no interesse privado.

Acrescenta-se que o uso anormal da propriedade deve ser analisado considerando as circunstâncias locais, a sensibilidade do homem médio, a localização, usos e costumes das regiões e os padrões de habitação sociais. Os vizinhos devem suportar o incômodo se este não ultrapassa os limites do razoável e do tolerável.

O uso nocivo da propriedade também relaciona-se com a ambiência com animais, tais como cachorros, gatos, e outros que trazem desconforto aos vizinhos em razão de odores de urina, fezes e dejetos, quebra de telhas, ruídos, latidos e uivos em lugares impróprios. As pessoas que porventura gostam de criar animais, devem ter a atenção redobrada, a fim de não ferir o sossego dos vizinhos, podendo, inclusive arcar com o ônus de sua desídia.

Sendo assim, é extremamente necessária a sensibilidade para o convívio de forma pacífica e harmoniosa. Registra-se que este texto tem cunho informativo, e qualquer conflito que envolva direitos de vizinhança devem os envolvidos tentar inicialmente solucionar a problemática através do diálogo, conciliação e mediação. A defensoria pública, os balcões de atendimento judiciário gratuito ou constituir um advogado ou advogada particular podem auxiliar com apresentação de possíveis medidas.

 

Fonte:

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm . Acesso em: 19 fevereiro 2020.

FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. Volume Único. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2019.

GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v. 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017

STJ, RECURSO ESPECIAL Nº1.313.641-RJ 2012/0032506-8, disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=22126230&num_registro=201200325068&data=20120629&tipo=51&formato=PDF. Acesso em: 19 fevereiro 2020.

Aline Passos
Mestra em Desenvolvimento Regional e

Meio Ambiente, especialista, professora universitária e advogada.

 



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